01/05/2014

JOÃO MALHEIRO

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Abril

Não, definitivamente, sou incapaz de escrever Abril sem maiúscula. Foi o mês do meu nascimento e do meu renascimento. Quero que o acordo ortográfico vá às malvas. Abril é Abril. É e será sempre Abril.

Nasci em Abril de 60, renasci em Abril de 74. Os livres do Eusébio, as fintas do Simões, a irreverência do Artur, a soberania do Humberto, a fineza do Nené diziam-me encantamento, provocavam-me feitiço.

Mas, lá em casa, tertúlias intelectuais despertavam-me também consciência política. Fui ao Festival de Vilar de Mouros, tinha 11 anos, distribuí panfletos da CDE, era o meu tio, médico de profissão, candidato a deputado, depois de preso político, pela oposição democrática. Soube do Congresso de Aveiro, os meus pais e o Zeca Afonso estiveram juntos para meu aprazimento.

Naquele dia, irrompi pela sala dos professores e proclamei o triunfo da democracia. Estava tudo incrédulo. Um puto de 14 anos, desaforado e temerário, explicava as movimentações que ocorriam na distante Lisboa.

Tagarelei persuasão, cantei o hino nacional e sibilei o Je T’aime Moi Non Plus, esse mesmo que estava proibido, mais aquela Jane Birkin a arfar com chamamento erótico. Também aclamei a excelência do Combate Sexual da Juventude, do igualmente proscrito Wilhelm Reich, guardado com afeta na minha biblioteca clandestina.

Quatro décadas volvidas, a frustração é total. Valem os golos do Rodrigo, os dribles do Gaitán, a sabença do Luisão, a classe do Enzo. Só que a ditadura voltou, cínica, impúdica. Na versão fiscal, na contorção das elementares regras do humanismo, na hipoteca de liberdades e da soberania nacional. Abril está a ser violentado. Ainda assim, merece continuar a ser maiusculado.

IN "DESTAK"
27/04/14


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