13/04/2014

VICENTE JORGE SILVA

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O triunfo do disparate

Na sua recente entrevista à SIC e ao Expresso, Durão Barroso propõe não apenas um bloco político juntando o PSD, o PS e o CDS como solução governativa depois das próximas legislativas mas também a apresentação de um candidato único às presidenciais seguintes. Tudo em nome de uma plataforma que escamoteia a pluralidade democrática de partidos, projectos e opiniões e, no fundo, torna excedentária a própria democracia. 

O ainda presidente da Comissão Europeia limita-se a reproduzir a filosofia do pensamento único vigente numa Europa onde as escolhas políticas se encontram reféns de um economicismo puro e duro - e, por isso, completamente destituído de visão estratégica do futuro.

Aluno tão submisso dessa doutrina como líder inexistente de uma Comissão de burocratas anódinos, Barroso não se permite ter opiniões próprias ou, simplesmente, não as tem por mera incapacidade intelectual. Tudo o que escape à língua única e intraduzível do europês lhe parece ilógico ou até perigoso. 

Daí a sua típica reacção pavloviana ao manifesto dos 74 sobre a necessidade de reestruturar a dívida portuguesa. Barroso não questiona a substância do texto ou a racionalidade dos argumentos aí expostos, mas o terrível pecado de os seus subscritores utilizarem uma palavra proibida no europês: 'reestruturação'. 

Pouco importam a forma e o contexto em que essa palavra é empregue ou a sua raiz etimológica, mas, sim, o interdito religioso de a pronunciar. Como nas histórias de bruxaria, basta ouvir-se 'reestruturação' para que mercados, governos e comissários europeus, reagindo tão pavlovianamente como Barroso, estremeçam de pânico e vontade de punição. 

Outro pecado suplementar: alguns subscritores do manifesto - ou seja, Ferreira Leite e Bagão Félix, ministros de Barroso antes de ele se ter escapulido para Bruxelas - teriam como propósito reprovável “embaraçar” o actual Governo. Ora, onde é que está o problema se esses ou outros subscritores não concordam com as opções governamentais? Teriam de ficar mudos e quedos devido a um qualquer pacto de silêncio e - de novo - um interdito religioso inviolável?

Mas Barroso está longe de encontrar-se sozinho no culto do pensamento único - e mínimo.
Nestes tempos de desorientação, corremos mesmo o risco de ver alguma gente supostamente credível regredir em Portugal, como diria Jorge de Sena, até ao reino da estupidez. Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas e também opositora irredutível da reestruturação da dívida, mostrou como se pode entrar em colisão com o mais elementar senso comum. 

Ao propor que os levantamentos dos depósitos bancários dos salários fossem sujeitos a imposto para estimular a poupança, a antiga administradora do Banco de Portugal perdeu a noção básica do respeito pela liberdade dos contribuintes, quais crianças irresponsáveis a necessitar do rigoroso controlo de um pai severo. 

Além disso, trata-se de uma proposta invulgarmente estúpida, pois apenas um imbecil consumado aceitaria que lhe depositassem o salário na conta bancária para depois ser taxado por cada levantamento. Que seria dos pobres bancos, coitados, à míngua de depositantes? A não ser, claro, que a última arma secreta de Teodora fosse impor por decreto a abertura de conta bancária a todos os cidadãos… 

Outro exemplo edificante: enquanto Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque se quedavam longe de Portugal, o secretário de Estado da Administração Pública promovia no Ministério das Finanças uma operação junto da comunicação social para testar, a coberto do off the record, o 'ajustamento' dos salários e pensões a 'critérios demográficos e económicos', tornando os actuais cortes provisórios em definitivos.

O inevitável ministro da Presidência, Marques Guedes, logo acusou os media de uma manipulação que não comprometia o Governo, enquanto Paulo Portas e Poiares Maduro reconheciam, pelo contrário, um erro de comunicação governamental. 

Em todo o caso, este é um exemplo de como um confrangedor amadorismo de comunicação se pode conjugar com um grosseiro maquiavelismo político. Com efeito, o Governo aproveitou esta cortina de fumo para disfarçar a passagem dos cortes provisórios a definitivos através de uma panóplia de medidas orçamentais assentes na retórica do combate às 'gorduras' do Estado. Ora, esse combate será feito essencialmente à custa de despesas sociais e de um aumento do desemprego no sector público.
Entretanto, no reino da estupidez, o disparate triunfa e tem a impunidade assegurada. Pelo menos por enquanto…

P.S. - Outro caso de confrangedor amadorismo e desnorte político custou a cabeça ao anterior Governo francês, depois da previsível e esmagadora derrota dos socialistas nas eleições municipais. Mas Hollande parece definitivamente irrecuperável.


IN "SOL"
09/04/14


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