29/04/2014

ÓSCAR MASCARENHAS

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Jornais só têm a ganhar
com uma participação ativa
dos seus leitores

Nestes últimos tempos de "estaleiro", fui surpreendido com a realização de um encontro, em Coimbra, de treze pessoas que se identificam como "leitores-escritores" de jornais. Mais perplexo - ou mesmo incomodado - fiquei quando me apercebi, pelo texto, de um certo tom de remoque e desdém dirigido a um número considerável de responsáveis editoriais e provedores, que não terão prestado a atenção a que os promotores do encontro se julgam com direito.

Acontece que para ignorar propositadamente um evento é condição prévia ter conhecimento de tal acontecimento. Dei voltas a toda a minha correspondência eletrónica e não encontrei nenhuma informação, muito menos convite, para participar ou estar atento. Só soube da existência do encontro e das suas conclusões porque a Direção do DN teve a gentileza de me reencaminhar o documento.
A verdade é que não pertence à Direção do DN transformar-se no meu carteiro eletrónico privativo.

Independente que sou da Direção do jornal, a correspondência que me seja dirigida deve ser feita para o e-mail que está bem visível ao alto da página na edição em papel, em e-paper, ou na coluna permanente online. Aliás, embora eu não seja muito seguro na fixação e identificação de nomes, nenhum dos treze nomes subscritores do documento me fez retinir campainhas a lembrar tratar-se de alguns dos leitores que mais frequentemente me abordam exatamente para discutir e melhorar as condições de participação livre e isenta de impropérios e escarros verbais de javardos que se imiscuem na conversa entre homens e mulheres civicamente bem formados.

Verifico mesmo que só dois jornais diários terão sido objeto de apreciação dos participantes e esse facto acentuou-se quando vi um deles criticado por embutir à força o exercício do direito de resposta na secção de cartas. Talvez por ignorância da lei, os participantes lamentaram tão-somente o espaço que tal direito de resposta retira aos que escrevem cartas à Direção. Esse é o mal menor: quem para ali desterra o direito de resposta - e há pelo menos dois conhecidos jornais, um diário, outro semanário, que o fazem com olímpica impunidade e cumplicidade de autoridades que, em lugar de aplicarem a lei, se dão ares de legislador por juris(im)prudência e (má) doutrina, dobrando a cerviz e cumpliciando-se com os detentores dos meios de produção - que vergonha! Que rastejo!

O direito de resposta é para ser publicado em espaço e visibilidade igual ao do escrito que lhe deu origem - a isso se chama lealdade editorial - e apenas é concebível a sua publicação no espaço das cartas de leitores, se se tratar de resposta a outra missiva ali publicada.

Esse respeito escrupuloso pelos direitos de quem exerce o direito de resposta é regra de ouro aqui no DN. Se os participantes do encontro de Coimbra se houvessem documentado melhor sobre os jornais que querem melhorar, não teriam perdido a oportunidade de louvar este exemplo de honra e lealdade para com os visados nas notícias.

Dou agora a voz aos excertos mais significativos do documento aprovado em Coimbra, eliminados os remoques pouco a propósito a que já fiz referência:
"O encontro compreendeu quatro componentes distintas:
"- Apresentação de cada um dos participantes: quem são e como encaram a sua participação pública como autores de cartas para jornais;
"- Leitura e discussão de textos originais, por cada um dos presentes, focando assuntos relativos a dois temas: o encontro entre leitores e o significado do envio de cartas;
"- Intervenção do investigador Fábio Ribeiro da Universidade do Minho subordinada ao título "A opinião do leitor importa? Retratos de quem escreve para as Cartas do Leitor do Jornal de Notícias, motivações e dificuldades para participar";
"- Apresentação de propostas e de questões a colocar às direções de jornais e a provedores do leitor como conclusões gerais do encontro de Coimbra.
"Importa, então, apresentar as principais questões colocadas pelos participantes.

"Em primeiro lugar, há unanimidade na consideração da atividade leitor-escritor como uma manifestação de participação cívica e livre que constitui um sinal e um suporte da democracia. Qual será, para as direções dos jornais, a importância e mais-valia atribuídas às cartas que recebem diariamente de leitores? Não será um serviço público relevante prestado pelo jornal?

"Há, contudo, preocupações relevantes que foram identificadas:
"- A gestão das cartas enviadas aos jornais carece de uma maior transparência, nomeadamente no que diz respeito aos critérios de seleção. Assim solicita-se que esses critérios sejam clarificados e conhecidos.
"- O espaço para as cartas dos leitores tende a ser cada vez mais reduzido, em particular em alguns jornais, e acontece, como é o caso no jornal Público, que é também ocupado pelo "direito de resposta" e pelo anúncio de eventuais erros em textos do jornal.
"- Solicita-se que os textos das cartas não sejam alterados e amputados de forma a desvirtuar o sentido ou o contexto em que foram escritos pelos autores.
"- Um texto, mesmo que pequeno, como é o caso habitual de uma carta a um jornal, merece sempre um mínimo de respeito por parte de quem a recebe para com quem a escreveu. Acusar a recepção, agradecer e dar uma informação objetiva sobre o destino da carta são atos que não parece que sejam difíceis de executar numa redação bem organizada.
"- Compreendendo que existem condicionamentos ao jornal, os participantes consideram, contudo, que deve ser possível a criação de uma secção online de fácil acesso na qual estejam todas as cartas recebidas (com acesso por data e nome de autor e com a limitação natural de um critério de decoro aceitável). No final, o objetivo dos leitores-escritores é que as cartas possam ser lidas."

As cartas dos leitores são um sinal vivo de participação dos recetores da mensagem jornalística, através dos seus comentários. Dizem-me - não tive ocasião para o apurar com rigor - que nas primeiras décadas de existência do famoso diário londrino The Times, as cartas dos leitores eram consideradas trabalho proporcionado ao jornal, ao ponto de ser paga simbolicamente uma libra ao autor de carta publicada. (Convenhamos que, naqueles tempos, uma libra não deveria ser meramente simbólica...)

Tratava-se de um tempo em que os jornais ocupavam todo o seu espaço com noticiário e anúncios diminutos, era placidamente lido durante um soberbo pequeno-almoço à inglesa e acabado de ler no clube, necrológios incluídos - ou mesmo: necrológios em especial.

Com o avançar dos tempos, alguns dos epistolares - e outras personalidades literárias de atividades diversas com escrita sedutora - foram convidados a escrever regularmente, cronicamente (daí a razão estrangeirada para se chamar inadequadamente "crónica" aos artigos ou colunas de opinião); os jornais foram melhorando o grafismo para se tornarem mais atrativos e ao alcance de mais estratos sociais. O espaço para as cartas foi o primeiro a sofrer com as remodelações gráficas.

O papel, atualmente, é um meio escasso e caro. Tudo se torna telegráfico. Também as cartas sofrem alguma tosquia que, na vontade de preservar o essencial da mensagem, ficam desprovidas dos temperos da estética literária.

Quanto aos critérios que os participantes do encontro de "leitores-escritores" - permitir-me-ia sugerir a substituição dessa classificação por algo como "leitores-participantes", para não desmobilizar à partida quem tem a timidez de não querer apresentar-se como "escritor" -, apesar de não ter procuração para a resposta, posso dizer quais os critérios que descortino: o mais atual - e o mais resumível.

Proposta útil que se me afigura viável e desde já chamo a atenção da Direção para ela é a de criar uma coluna de Cartas dos Leitores na edição online. Não se confunde de modo algum com a latrina das caixas de comentários torpes e insalubres, mas um verdadeiro espaço para cartas, intelectual e literariamente mais elaboradas, com uma dimensão máxima de 150/200 palavras, que seriam previamente lidas para eliminar rotundamente as que contenham expressões desprimorosas e soezes, na qual os leitores de bem se revissem, sem direito a comentários mas à resposta com outra carta.
Os participantes teriam de se identificar corretamente com o nome (e, eventualmente, pseudónimo), morada, bilhete de identidade, telefone e e-mail.

Perde-se interatividade e vibração? Não importa. Nem tudo na vida é o jogo da sarrafada. Às vezes a placidez de um bom jogo de bridge ou o silêncio espesso de uma partida de xadrez traz-nos um pouco do nirvana de que andamos tão carenciados.

PROVEDOR DO LEITOR

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
26/04/14



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