13/03/2014

NAVI PILLAY

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Igualdade e Justiça 
nos tribunais

Quando uma lei é gravemente discriminatória, a busca de justiça fica profundamente comprometida.

"É natural um homem responder com violência a uma parceira irritante."
"A reivindicação da igualdade de salários entre homens e mulheres com competências iguais não é justificada, porque as mulheres têm tendência a parar de trabalhar para ter filhos."

"Um homem que mata a mulher pode receber uma sentença mais branda, se ela tiver sido infiel."

Estes são os comentários de juízes – não de há 100 anos, mas dos últimos dez anos. Estes casos não foram julgados com base nos méritos, mas influenciados por noções profundamente enraizadas que limitam os direitos e protecção das mulheres e meninas. Foi negada justiça às mulheres nestes casos, da mesma forma que é negada a muitas outras, todos os dias, nas salas dos tribunais em todo o mundo.

Apesar de décadas de luta pelo direito das mulheres à igualdade, os processos judiciais em todo o mundo são muitas vezes permeados por estereótipos prejudiciais, e isso pode conduzir a uma negação do direito da mulher à justiça mesmo pelo sistema legal que deveria proteger os direitos humanos fundamentais de todos.

Os estereótipos de género – as crenças largamente mantidas sobre as supostas características e papéis femininos e masculinos – são omnipresentes e criam uma atmosfera de preconceito que afecta a vida de mulheres e homens. Por causa da discriminação profundamente enraizada contra as mulheres, essas crenças têm consequências enormes para as mulheres, em particular no gozo dos seus direitos humanos.

Estereótipos aparentemente benignos podem ser prejudiciais. Por exemplo, a ideia de que "as mulheres são mais carinhosas do que os homens" reforça a noção de que as mulheres devem fazer a maior parte das tarefas domésticas. Isso também pode levar a violações dos direitos humanos das mulheres, quando traduzido em leis e práticas que as privam de oportunidades educacionais e profissionais.

A discriminação no tribunal – onde buscamos a administração justa e imparcial da lei – é particularmente prejudicial. Quando uma lei é gravemente discriminatória, a busca de justiça fica, obviamente, profundamente comprometida. Pense numa legislação que diz que as mulheres não podem escolher de forma independente viajar, trabalhar fora de casa ou submeter-se a determinados procedimentos médicos sem a permissão dos familiares masculinos. Mas, igualmente preocupante, e muito mais difundida, é quando os juízes são influenciados por estereótipos prejudiciais na sua interpretação da lei, ao proferir a decisão.

Vemos isso muitas vezes em casos relacionados com a violência de género, com a família, oportunidades de trabalho iguais e saúde sexual e reprodutiva das mulheres. E quando os juízes tomam decisões com base em estereótipos prejudiciais como, por exemplo, ter em conta a vida sexual de uma mulher ao decidir os seus direitos legais e protecção contra a violação sexual ou violência doméstica – isto é uma violação dos direitos humanos.

Os Estados também devem tomar medidas para eliminar a injusta estereotipização de género em todos os aspectos do sistema de justiça criminal, incluindo a investigação, acusação, interrogatório, protecção das vítimas e testemunhas, e condenação. É necessária acção clara para garantir que os funcionários do Governo, especialmente aqueles que trabalham no sistema de justiça, não tomam decisões baseadas em estereótipos nocivos e comprometem os direitos humanos de mulheres e meninas. Contrariamente, os funcionários devem, eles próprios, identificar e desafiar essas crenças negativas, para ajudar a criar ambientes que respeitem mais plenamente os direitos humanos de mulheres e meninas e a construir uma cultura de igualdade.

Se levarmos a sério a igualdade de género, agora, em pleno século XXI, temos de dedicar mais energia para desmantelar presunções preconceituosas sobre mulheres e homens. Temos de parar de perpetuar ideias erradas sobre o que as mulheres devem ser ou não ser, com base unicamente no facto de serem mulheres. Em vez disso, devemos vê-las pelo que elas são – seres humanos únicos em toda a sua diversidade. Esta é a procura da igualdade, que é o fundamento do Direito de direitos humanos. O meu escritório vai dedicar mais tempo e atenção no sentido de fornecer uma orientação mais forte nesta área. É minha sincera esperança que os trabalhos sobre esta questão crítica comecem na zona que mais simboliza a justiça: o tribunal.


Alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos

IN "PÚBLICO"
08/03/14


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