19/03/2014

JOANA BARRIOS

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Fugir a boca para 
a verdade

É dois mil e catorze, e se os blazers assertoados de botões dourados ainda são capazes de excitar aspirantes a Lobos e Lobas de Wall Street à portuguesa, amanhados a preços baixíssimos na Primark, então estamos muito piores do que imaginava. Só era capaz de perdoar todos os modelitos à Suits e Mad Men, se houvesse alguém na plateia do último congresso do PSD a questionar-se sobre tudo aquilo que está implícito na celebérrima frase do líder do grupo parlamentar do partido, Luís Montenegro.

Embora seja muito mais tentador e divertido escrever sobre o fraquíssimo e demasiado datado sentido estético dos sociais democratas mesmo em alturas de congresso (certame mais importante que a missa de domingo), prefiro escrever sobre a falta de gosto que complementa, qual it bag, a ideologia actual do partido e citar uma das frases mais inacreditáveis dos últimos tempos, no entanto ainda não suficientemente viral: “A vida das pessoas não está melhor, mas a vida do país está muito melhor”. Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD. 

O meu pai ensinou-me a reflectir sobre o sentido das coisas, a pensar naquilo que ouvimos e a questionar mesmo as fontes que temos como inquestionáveis.
Ensinou-me a arranjar problemas, vá. 

O país é feito de quê?
Porque no caso da frase de Montenegro, há uma noção claríssima e de altíssimo grau de abstracção relativamente à ideia de país, o que poderia ser muito interessante, porque nada como a evolução do pensamento para me deixar feliz, só que não, porque o país de Montenegro não se faz de pessoas, certamente. É um país frio. 

E por muito terrível que isto possa parecer, esta era a frase por que todos esperávamos, a assunção pública de que as pessoas, em Portugal, estão em último lugar na ideia de país que se tem vindo a praticar. Só faltava a redundância, a afirmação pública, a constatação do que já sabíamos.
É o chamado fugir a boca para a verdade.

No entanto, há uma linearidade ideológica no seio do PSD, e isso é de louvar, a concordância. Se já o nosso primeiro nos sugeriu a emigração e insistimos ficar, se o país está péssimo e continuamos cá, a culpa é inteiramente do povo que não concorda com o actual Governo, mas insiste ficar. Porque o país não é para, nem das pessoas. O país é de quem manda nele. E para esses, está muito bem.

IN "SOL"
11/03/14



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