14/03/2014

FRANCISCO SARSFIELD CABRAL

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Um debate que encobre 
o essencial

Custa-me a aceitar que pessoas com alguma cultura e algum bom senso julguem que um país como Portugal, que viveu anos e anos 10% acima dos seus recursos, pudesse corrigir esse desequilíbrio brutal sem 'empobrecer', quando a anterior 'prosperidade' era a crédito e com a economia quase estagnada. No entanto, é isso que sugerem vários políticos, incluindo na área da actual liderança do PS.

Infelizmente, deles não ouvimos uma explicação sobre como cortar a despesa do Estado sem reduzir salários da função pública, pensões, apoios sociais, etc. Parto do princípio que nenhum socialista admite aumentar a presente, e excessiva, carga fiscal. Talvez quando, e se, o PS for Governo nos revele o seu segredo e o milagre aconteça.

Entretanto prossegue o debate sobre a saída do ajustamento acordado com a troika: 'à irlandesa', com programa cautelar, com um outro tipo de almofada, etc. Mas raramente se fala num Tratado que está em vigor, o Tratado Orçamental, subscrito por todos os membros da UE, com excepção do Reino Unido e da República Checa.

Este acordo reforça a disciplina orçamental, por imposição da Alemanha. A participação portuguesa no Tratado foi aprovada no Parlamento com os votos do PSD, do CDS e do PS. O Tratado exige que, a prazo, o défice estrutural das contas públicas (isto é, descontando os efeitos conjunturais do ciclo económico) não exceda 0,5% do PIB - este ano, com sorte, o nosso ficará em 4%. E quando a dívida pública ultrapassar 60% do PIB (a nossa é mais do dobro dessa percentagem) o país em causa terá de a reduzir a uma taxa média de um vigésimo por ano. 

Parece-me este tratado um exagero de rigidez. Mas é um compromisso que Portugal assumiu e terá de cumprir, sob pena de os mercados nos exigirem juros incomportáveis, além das sanções previstas no Tratado. Ora o PS não tira daí as inevitáveis consequências: teremos austeridade orçamental por longos anos. Note-se que ela seria ainda mais violenta caso Portugal recusasse cumprir aquilo a que se comprometeu.
A discussão sobre como sair do programa da troika é útil, em princípio. Mas arrisca-se a encobrir o essencial, que é o imperativo de continuar a reduzir a despesa pública, de modo permanente e estrutural e não apenas pontual, com as reformas e os cortes que isso implica. 

A querela sobre o programa cautelar entrou na luta político-partidária, com eleições à vista. Os partidos da coligação governamental encaram uma saída 'à irlandesa' como um trunfo eleitoral. O PS, depois de ainda há meses garantir ser inevitável um segundo resgate, considerou um programa cautelar uma derrota do Governo, para corrigir mais uma vez o tiro e dizer que, afinal, talvez fosse preferível um tal programa (pessoalmente também acho, mas os nossos parceiros europeus - leia-se, a Alemanha - não parecem para aí virados). Mas o que mais importa é a correcção a sério do défice orçamental, seja qual for a saída do programa de assistência.

A pedagogia da austeridade não foi o forte deste Governo, embora nos últimos tempos tenha havido progressos. A pedagogia anti-austeridade da esquerda incita os portugueses a voltarem ao despesismo, uma vez atenuada a crise. Percebe-se da parte dos partidos de mero protesto, mas como enfrentará o PS essa ilusão, que ele próprio alimenta, quando for Governo?


IN "SOL"
12/04/13

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