26/02/2014

JOSÉ MORGADO

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Tal pai, tal filho


Uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, são os filhos de pais mais qualificados que têm melhores resultados. Esta constatação não surpreende, estando em linha com estudos anteriores.

Algumas notas. Desde há muito que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, mostram uma relação forte entre a carreira escolar e o estatuto profissional atingido pelos filhos e o nível de escolaridade e estatuto social e económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre o nível escolar e salarial dos pais e o dos filhos é ainda mais forte. O relatório da OCDE vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse dos meus pais, um serralheiro e uma costureira, terem decidido que eu continuaria a estudar.

Acresce que as circunstâncias conjunturais, provavelmente estruturais, que atravessamos permitem considerar a existência de uma mobilidade social descendente ao produzir uma classe de "novos pobres" que tendo anteriormente ascendido a patamares socioeconómicos médios, sentem agora um processo significativo de degradação das suas condições e qualidade de vida. A este contexto, junta-se uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo socioeducativo assente em sucessivos processos de selecção e no encaminhamento demasiado cedo para vias alternativas à formação escolar mais habitual o que, evidentemente, não garante equidade nas oportunidades de educação e qualificação comprometendo, assim, a mobilidade social ascendente.

Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade nas oportunidades.

Do meu ponto de vista, muitas vezes afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos e gestão optimizada de recursos; segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada o que exige a existência de apoios adequados e competentes para apoio ao trabalho de alunos e professores;  e, terceiro eixo, diversificação dos percursos de educação e formação. Esta diversificação deve passar, e temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário, não antes, possibilitando a muitos jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados, mas sem o recurso à bizarra "meia  licenciatura" quando já existem os Cursos de Especialização Tecnológica.

No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso a uma escola de qualidade podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.

Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, no mínimo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação.

A continuar na deriva a que nas últimas décadas nos entregamos, daqui a algum tempo a OCDE virá, provavelmente, dizer exactamente o mesmo.

O autor é professor universitário no ISPA - Instituto Universitário


IN "PÚBLICO"
24/02/14


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