06/02/2014

DOMINGUES AZEVEDO

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Jogo de
sombras

A projeção sobre paredes ou telas de linho, de figuras humanas, animais ou objetos recortados e manipulados surge na China por volta de 5000 a.C. Estas práticas ficaram conhecidas como os "jogos de sombra".

Nos tempos modernos, o Governo de Passos Coelho está a procurar fazer o mesmo com a realidade, projetando os "feitos" económicos e financeiros da sua política, menorizando o caos social em que deixou boa parte da população portuguesa. Mais pobre, mais desigual, mais carenciada.

Portugal está longe de ser o "país das maravilhas" e do "milagre económico" em curso, como alguns insistem em referir.
Entendamo-nos: o equilíbrio das contas públicas - com o défice a situar-se abaixo do acordado com a troika - deveu-se às receitas arrecadadas pelo perdão fiscal e pelo permanente garrote, ao nível do confisco, a que têm sido submetidos os rendimentos do trabalho. O que se lamenta é que o esforço para recuperar o equilíbrio das contas públicas não tenha sido igual para todos. Os impostos sobre os capitais não subiram e foi precisamente quem vive pacatamente do seu trabalho a pagar (e vai continuar a fazê-lo) as "favas", como se diz na gíria popular.

Entretanto, os compromissos assumidos com reformados e pensionistas são rasgados do dia para a noite, sem uma palavra. Os funcionários públicos são os outros alvos, vistos como uma espécie de malandros insolentes que não merecem o dinheiro que ganham, apesar de terem estruturado toda a sua vida dentro de um quadro que foi o próprio Estado a definir e que agora abandona, como se retirasse o tapete sem aviso prévio.

O Governo engendrou diversas modalidades de sacrifícios, que se traduzem em taxas, cortes ou contribuições especiais. A receita final de IRS, arrecadada no ano que passou, deverá cifrar-se entre os 40 e os 42 por cento. Números tremendos que exemplificam com crueldade os sacrifícios a que os portugueses têm sido sujeitos. Um ajustamento brutal. Perante tamanho tratamento de choque difícil seria que o "doente" não recuperasse os sentidos, só que a terapia foi de tal modo violenta que as sequelas vão perdurar por muitos e bons anos.

Não tenho dúvidas quando afirmo que o Governo tinha margem para aliviar a dose de austeridade que ainda quer continuar a aplicar ao longo de 2014. E só não o faz por mera estratégia partidária, que se sobrepõe aos interesses e necessidades nacionais. Prova disto são os mais de 500 milhões de euros consagrados no Orçamento do Estado para este ano, numa rubrica designada "dotação provisional". O Governo já amealha para o cenário eleitoral de maio e para a grande aposta, as legislativas de 2015, onde tudo fará para revalidar o mandato que o povo português lhe concedeu nas urnas, há quatro anos.


IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
04/02/14

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