18/01/2014

HELENA MATOS

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Frenéticos


Lembram-se do aquecimento global? O mundo ia ser uma frigideira. Houve quem defendesse a criminalização daqueles que o questionavam e desde a venda de bolos podres no Algarve - guardo religiosamente esta notícia! - ao caos dos buracos no alcatrão mal surgiam as primeiras chuvas outonais tudo era explicado através do aquecimento global.

Os bancos, ao mesmo tempo que se dedicavam a operações financeiras duvidosíssimas, disponibilizavam aos seus balcões folhetos, panfletos e demais material impresso sobre a hecatombe que ia abater-se sobre as focas do Ártico e os macacos da Indonésia. Merkel e Sarkozy reuniam-se para contemplar apreensivos os ursos polares em cima de pedaços de gelo que, valha a verdade, na sua aparente fragilidade se aguentaram muito mais que os pilares em que assentavam as certezas da UE.

E os palestinianos, já os esqueceram? Eram cordões humanos pela Palestina, barcos com comida para a Palestina, declarações diárias contra o muro construído por Israel sem esquecer as imagens de uns homens embrulhados nuns lenços anunciando holocaustos vários, devidamente assessorados por uns activistas europeus que afiançavam da nobreza das suas intenções. Ao mesmo tempo a desindustrialização da Europa e a sua irrelevância política acentuavam-se. Mas o que nos inebriava, a avaliar pelos jornais, eram as diatribes do xeque Yassin.

E as gravuras de Foz Côa? O que será feito delas? Em 1994 cada português era um especialista em gravuras rupestres e questionar que 300 mil turistas afluiriam anualmente dos mais remotos lugares do mundo para as contemplar dava direito a entrar no top nacional da estupidez.

Em 2013 o aquecimento global passou a alterações climáticas e em 2014, seja na versão gelada das cataratas do Niagara ou no impacto de uma onda de calor algures no hemisfério sul, a verdade é que o ambiente desapareceu de cena: as secções de ambiente foram apagadas discretamente dos sites noticiosos e como, sobretudo no que ao clima respeita, o tempo dos acontecimentos não é de modo algum compatível com a histeria que predomina nestes sobressaltos mediáticos o aquecimento global de apocalipse anunciado para amanhã está em vias de passar a esquecimento global. Já os palestinianos, tal como os irmão da Primavera árabe, podem matar-se e ser mortos à vontade que por agora ninguém mais quer saber dos rais, das muqatas e daquelas praças onde os jornalistas ocidentais na fase do arrebatamento só vêem boas intenções. Das gravuras de Foz Côa o pouco que sabemos é que poucos querem saber delas: mesmo com a construção do museu o número de visitantes é muito baixo. Entretanto perdeu-se o investimento feito pela EDP na barragem e transferiu-se o ónus ambiental da sua construção para o rio Sabor, o que do ponto de vista do ambiente foi um tremendo erro.

Escolhi estes exemplos mas podia ter escolhido outros - o casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo - para dar conta de um fenómeno que, não sendo novo, se tem acentuado nos últimos anos e acentuará ainda mais nos próximos tempos dada a preponderância dessas novas "tricoteuses" que são as redes sociais: de repente, sem que saibamos porquê, um assunto é agigantado e torna-se dominante no espaço informativo. Discordar da posição politicamente correcta nesse assunto é quase sinónimo de linchamento público. Depois, quase sem darmos por isso, ele é esquecido, às vezes sem que nada se tenha substancialmente alterado ou, pior ainda, após intervenções desastrosas como foi a consagração do casamento entre pessoas do mesmo sexo em Portugal que criou um enredo legal para as crianças. Não se julgue contudo que a serenidade chega: outras causas estão à espera do circo.

E o circo manter-se-á enquanto não houver capacidade de declarar não só que se discorda mas também que aquele assunto não tem a relevância que lhe está ser dada pelos frenéticos mestres "das causas do urgentismo com soluções perfeitas, tão perfeitas que só os estúpidos muito ignorantes não concordam com elas".

Na verdade muitas das causas que nos têm trazido animados nos últimos anos nem são urgentes nem são causas. Mas tão só instrumentos de fractura de quem não tem coragem de dizer o que realmente defende e se alimenta de provocar clivagens e não de buscar soluções.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/01/14


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