07/12/2013

JOANA BARRIOS

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Lugar às novas

Português que se preze gosta de tudo o que seja novidade. 

O problema do português é de origem demasiado remota e prende-se com uma única questão: a posse.

Os efeitos da reminiscência da pobreza d'antes do 25/04, na sociedade portuguesa pós-contemporânea, agora: não se tinha (que é pior que sarna) para se passar a ter. Tal como um menino guloso, o português tem mais olhos que barriga (o que, na verdade, está certo, porque o nosso corpo tem dois olhos para uma barriga, 'né?) e não olha a meios para atingir fins de índole ostentativa.

A semana passada foi, no recreio senso-intelectual que é o Facebook, 'A Semana Nostálgica', porque a revolução é passiva e faz-se a partir de casa, especialmente agora que está um frio de rachar e ir à rua ainda pode trazer uma gripe ou pior - uma experiência real de interacção com outros seres humanos e isso é que não!

A semana passada foi uma semana de gestos vazios e não houve uma única alma que não se lamentasse acerca de tudo o que irá fechar, está fechado ou ainda não está fechado, mas vai a caminho de, com especial incidência na cidade de Lisboa, a.k.a. capital do país. 

Fazer petições online não chega para salvar os locais emblemáticos de uma cidade. Não me atrevo a dizer negócios, porque não são negócios, trata-se de locais que deviam ser património da EGEAC, porque está uma sociedade inteira a contemplá-los como se fossem monumentos.

O português é passivo por natureza, ainda para mais quando se trata daquilo que tem à mão de semear, porque a galinha da vizinha é sempre melhor que a dele, e perdoem-me o excesso de provérbios, mas neste caso são essenciais porque evocam uma nostalgia muito na moda e retratam na perfeição aquilo que se passa: num país em que a economia hiberna há demasiado tempo, em que a juventude (leia-se talento) deu de frosques por falta de oportunidades e abrir um negócio é pôr directamente a cabeça no cepo, é perfeitamente compreensível ceder à pressão dos grandes grupos económicos e dizer adeusinho aos sonhos, crenças e afins.

Como cidade, Lisboa padeceu de um grande movimento de abandono durante muito tempo. A deslocação do tecido humano para as novíssimas periferias com óptimos e novos acessos feitos por vias rápidas e estradas de quatro a seis faixas de rodagem hipnotizou muita da gente que agora tem filhos neo-nostálgicos, na casa dos vintes, e que fazem status sobre o encerramento do recém-descoberto e encerrado King. E depois recebem likes dos seus pais periféricos. OK. Mas e então quando o King fazia sessões e se ia ao cinema nas salas dos centros comerciais pelos motivos que já se sabem, onde é que estava a importância do King? Ou quando surgiu a paixão pelo muffin de chocolate, pelo cupcake e pelos macarons, quem é que ia à Bijou do Calhariz comer uma miniatura de palmier e dar dois dedos de conversa com o tão glamouroso Sr. Ulisses? 

Morar e consumir a cidade não é fácil. A cidade requer Amor. Requer dedicação e uma abertura de espírito que colide com a parolice do português tipo e a sua ideia de modernidade. (Na cidade os prédios não têm elevador, não há lugares à porta de casa e o comércio local e os supermercados de bairro são um tédio; além de que as bombas de gasolina são todas no cu de Judas e não há nenhum McDrive a não ser na 2.ª circular. E isso é tudo muito longe.)

Não é então, muito difícil, perceber por que raio é que vai tudo fechar, ou é? 

Bem Vindos ao Capitalismo Selvagem, onde os maus são os ricos que vão cada vez ficar mais ricos, mas que não são bem maus, porque no fundo até criam postos de trabalho... Que antagónico!...
Sabiam que isto nasce tudo da passividade? 

Quem foi ao mar perdeu o lugar! 

Mas... Vão abrir coisas NOVAS!... Não estão contentes?

Com sorte, começamos a fazer como na China, e os edifícios passam a ter uma validade máxima de cinco anos, porque depois é preciso demolir para fazer um melhor, mais recente, mais incrível e muito, mas muito mais moderno. Mas... Em Portugal não dava, 'né?... Porque a avaliar pelo tempo há que os prédios da EPUL estão a ser construídos no Martim Moniz, corríamos o risco de demolir a cidade inteira para depois não crescer nada.... Mas não ia fazer mal nenhum, porque também... Não mora ninguém na cidade, mesmo...

IN "SOL"
03/12/13

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