13/12/2013

ANA RITA GUERRA

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Espiões da NSA 
no World of Warcraft. 
Não, a sério

Gostava muito que houvesse em português uma expressão equivalente a "whistleblower", que retratasse melhor que "denunciante" aquilo que Edward Snowden et al. têm estado a fazer. Não são meras denúncias, são granadas de mão que rebentam no alvo específico no momento certo, mesmo que tenham danos colaterais.

Ora, serve a analogia guerreira na perfeição para analisar a mais recente denúncia de Snowden, publicada ontem pelo The Guardian, New York Times e ProPublica. As agências de inteligência norte-americana (NSA) e britânica (GCHQ) infiltraram espiões em comunidades de jogo online e no mundo virtual Second Life, recolhendo informações desde 2008.

Os documentos revelados por Snowden mostram que o alvo das agências foi a rede de jogos Xbox Live, com foco no jogo World of Warcraft. A consola da Microsoft é extremamente popular nos Estados Unidos (bem mais que em Portugal) e tem perto de 50 milhões de jogadores. Para as duas agências, este era terreno fértil e inexplorado e coisas gravíssimas poderiam estar a passar-se debaixo dos seus narizes.

Vai daí, agentes destacados para se infiltrarem nestas comunidades, com ordens para recolher todos os dados possíveis – incluindo conversas áudio entre jogadores, fotos de perfil e localização geográfica.

Não é claro que ferramentas foram usadas para levar a cabo a espionagem nem que dados foram efectivamente recolhidos – a Microsoft não sabe de nada, menos sabe a Blizzard Entertainment, que produz o World of Warcraft, ou a Linden Lab, que desenvolve o Second Life. Desconhece-se de que forma as agências se asseguraram de que não estavam a montar bases de dados com informações privadas de cidadãos comuns, completamente inocentes e alheios a suspeitas de trocas de ideias entre membros da Al- Qaeda.

A história talvez tivesse uma perspectiva diferente, para quem vê de fora, se realmente tivessem sido descobertas conspirações terroristas, grupos de insurrectos ou criminalidade básica. Mas na documentação não há nada disso. Nem sequer existem provas de que houvesse algo que suscitasse a suspeita logo para começar.

Coincidência ou não, estes documentos são apresentados no mesmo dia em que um conjunto de tecnológicas rivais apresentou uma iniciativa que pede a Obama que ponha mão na vigilância electrónica. A sério: a Google e a Microsoft juntaram-se e lançaram uma campanha para que o Congresso estabeleça limites à vigilância executada por agências governamentais. Apple, Yahoo, Facebook, Twitter, AOL e Linkedin aliaram-se a esta campanha, com uma carta aberta a Barack Obama. "Reform Government Surveillance" é o nome da iniciativa.

O fundamental? Se as pessoas não confiarem na tecnologia que usam, deixam de a usar. Não é preciso terem alguma coisa a esconder (provavelmente todos temos, mesmo sobrestimando o seu valor para terceiros); é uma questão de liberdades fundamentais. Quando as revelações de Snowden começaram, houve muito cepticismo – em especial em Silicon Valley – sobre a real extensão da espionagem. Mas agora é inegável que se ultrapassaram todos os limites. Que grande borrada. Algo terá de mudar, e rapidamente. Porque se há coisa que Snowden e Julian Assange provaram é que nem a teia mais bem escondida do mundo consegue ficar invisível para sempre. 

IN "DINHEIRO VIVO"
10/12/13


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