29/11/2013

ROSA SIMAS

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Palavra puxa Palavra: 
O Livro Negro da 
Condição das Mulheres

Cada língua reflete o povo que a foi moldando ao longo dos tempos e que a utiliza para expressar o seu quotidiano. Cada língua espelha a sociedade que lhe deu origem e que a mantém.

As línguas faladas à volta do globo contêm palavras e expressões que, infelizmente, espelham a condição feminina, enquanto realidade baseada na desigualdade, discriminação e desprezo. Basta estarmos atentos/as e informados/as.

Informar é o desiderato de O Livro Negro da Condição das Mulheres, uma compilação de textos de todo o mundo, da jornalista francesa, Christine Ockrent, publicada em 2007 pela Temas e Debates. Vale a pena ler.

Segundo Claire Brisset, no artigo Desde a infância…, na Índia, país onde a condição subalterna da mulher resulta no aborto de fetos femininos, no infanticídio de meninas e no abuso e violação de jovens e mulheres, existe um nome feminino que resume tudo: nakusha, “não desejada” por ser considerada inferior e desprezível.

Da Ásia para as Américas, Marc Fernandez e Jean-Christophe Rampal descrevem a origem de feminicídio, palavra criada para comunicar a condição feminina em Ciudad Juárez, na fronteira do México com os Estados Unidos, onde mulheres, dos 13 e 22 anos de idade, são sistematicamente raptadas, violadas e mortas, os corpos abandonados em terrenos baldios, próximos das avenidas ou vias-férreas. Nesta cidade pobre, terreno fértil para a droga e a corrupção as mulheres são mortas simplesmente porque são mulheres.

Na Europa, no nosso Portugal, onde em 2013, já foram assassinadas, pelos companheiros, mais de 35 mulheres, temos aquele insulto que, de tão popular, se tornou banal, quando em estado de fúria chamamos a alguém “filho da puta” – e notemos que o dito cujo é “filho” no masculino. Ou seja, em vez de conjurar o sujeito da ofensa ou desfeita, no masculino, vamos à mãe, chamando-a “puta” no feminino! Porque “puto” no masculino já é outra coisa, bem mais pacífica e até ternurenta. Como as palavras desvendam os nossos preconceitos e valores!

Porque esta tendência de desprezar e/ou difamar a mulher é mesmo global, o inglês – e tantas outras línguas – vão pelo mesmo caminho, pois a injúria “son of a bitch” é idêntica à expressão portuguesa, que é infeliz e injusta em qualquer outra língua por esse mundo fora.

Voltando ao Livro Negro, podemos pegar neste assunto numa ótica etimológica, indo às raízes e à história das palavras. É o que faz Odon Vallet, no artigo A Mulher e as Religiões, onde traça as origens de palavras tão diferentes como venerável, venéreo, veneno e Vénus, todas vindas de wen, o termo indo-europeu que significa desejo.

Na sua origem, venerável nomeia algo que inspira um desejo de veneração, graças à sua idade. O veneno começou por ser um elixir de desejo e amor afrodisíaco. O adjetivo venéreo resulta do desejo sexual, enquanto Vénus é a deusa romana do desejo, como a grega Afrodite, a fenícia Astarté ou Ishtar da Babilónia.

Não havendo uma grande deusa primordial comum a todas as civilizações, é reconhecida a primazia cronológica do feminino nas estatuetas e personagens veneradas. Essa primazia exprime-se se em figurinos encontrados nos cinco continentes. As mais antigas remontam a 30 000 aC.

Mulheres desejáveis ou mães veneradas, certo é que a sua feminidade se impõe na estatuária pré-histórica. Por sua vez, a vingança dos deuses masculinos coincide com a idade dos metais e das primeiras cidades-estados, onde o ouro aumenta a riqueza dos homens e o bronze se alia à sua força manual. E a vingança continua…

IN "AÇORIANO ORIENTAL"
26/11/13

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