HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
António Barreto defende que reforma
do Estado não se faz sem
"revisão profunda da Constituição"
O sociólogo António Barreto defendeu hoje que a
reforma do Estado obriga a uma "revisão profunda da Constituição", o que
não deverá ser possível nas atuais condições de "excepcional crispação"
e "degradação" das relações entre dirigentes partidários.
"A revisão profunda da Constituição é
parte central da reforma. Não é possível imaginar que a reforma do
Estado possa dispensar a revisão da Constituição", afirmou António
Barreto.
O sociólogo foi o professor convidado para dar uma 'aula' sobre a
reforma do Estado na abertura do ano académico do Instituto de Defesa
Nacional.
"A relação entre Estado central e autarquias, a concepção da
administração pública, o conceito de funcionário público, o desenho dos
grandes serviços públicos de educação, saúde e segurança social, a
organização da justiça e os direitos e deveres das instituições são
aspectos essências da reforma do Estado, mas a sua definição actual, que
importa ver, rever e alterar, reside na Constituição", sustentou.
O presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos defendeu que "em
tempos de crise financeira não é aconselhável esperar demasiado de um
esforço de reforma do Estado".
"Reformar um Estado sob ameaça de bancarrota e sob pressão dos
credores internacionais é tão arriscado e tão perigoso quanto criar ou
reformar um estado à custa de dívida e benesses demagógicas", afirmou.
"São necessários meios que faltam, é precisa tranquilidade política,
inexistente, é indispensável a independência, ausente, é imprescindível a
sinceridade política em falha absoluta", argumentou.
Segundo António Barreto, "nas atuais condições de excepcional
crispação, de degradação das relações políticas e pessoais entre
dirigentes partidários, nada parece favorecer a preparação dos consensos
alargados necessários".
"Reformar em profundidade não parece possível actualmente. Preparar, estudar, debater, negociar, sim", considerou.
Para o sociólogo, a criação de grupos de reflexão para a reforma do
Estado e a revisão da Constituição, a partir, por exemplo, da Assembleia
da República, estará dependente de que uma figura como o Presidente da
República, a presidente do parlamento, ou o primeiro-ministro digam que
"vale a pena, que não é inútil".
"É a única maneira de evitar que a revisão da Constituição e a
reforma do Estado se transformem em armadilhas, que é o que está a
acontecer", disse.
Do conteúdo da revisão da Constituição que defende, António Barreto
apontou para uma reforma da lei eleitoral, que crie círculos uninominais
e possibilite candidaturas independentes à Assembleia da República.
Barreto defendeu também uma "nova organização administrativa e
territorial do Estado, com a consequente revisão profunda dos sistemas
de subsidiariedade da administração pública".
De acordo com o sociólogo, "a reforma do Estado é obra de uma
geração, deveria ser gradual, reflectida e comum a uma parte importante
das forças políticas, sociais e culturais" e "não deveria ser arma de
arremesso, nem emboscada".
"Tudo milita actualmente para que essa ordem não seja cumprida, a
começar pela pressa de uns, e a acabar na recusa de outros", considerou.
"Se ao menos os titulares dos órgãos de soberania soubessem reflectir
e preparar o futuro a longo prazo. Se ao menos os dirigentes políticos
quisessem levar a cabo tal empreendimento sem pensar apenas no orgulho
narcisista. Se ao menos os partidos políticos fossem capazes de fazer
tantos sacrifícios quantos os que exigem a este nosso pobre povo",
defendeu.
* Somos um pequeno país com inúmeros caciques.
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