28/10/2013

YURIKO KOIKE

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Estados Unidos 
à deriva

As hesitações, a ambivalência, as mudanças de política e os truques do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com o Congresso para a punição da Síria pelo uso de armas químicas alcançou apenas duas coisas certas: aumentou o prestígio diplomático da Rússia pela primeira vez em muitos anos e assustou os aliados dos Estados Unidos – desde a Arábia Saudita a Israel, como o Japão e a Coreia do Sul – que dependem fortemente das promessas norte-americanas. Para minimizar o impacto de ambas as consequências, os Estados Unidos devem agora cumprir com a maior determinação o acordo com a Rússia para a destruição das armas químicas da Síria. Mas, será que vão fazê-lo?
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O comentário, propiciado no calor do momento, do Secretário de Estado John Kerry, de que uma ofensiva militar contra a Síria poderia ser evitada se todas as armas químicas fossem entregues foi um presente diplomático para a Rússia, que respondeu com entusiasmo. Normalmente, o Kremlin, que não é conhecido pela sua destreza diplomática, propôs rapidamente que se deveria obrigar o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, a aderir à Convenção sobre Armas Químicas (CWC, na sigla inglesa) e a colocar o arsenal de armas químicas sob o controlo das Nações Unidas.

A iniciativa de Putin acabou por ser a tábua de salvação diplomática, uma vez que a jogada de Obama para conseguir a aprovação do Congresso a uma intervenção militar na Síria parecia destinada a falhar, o que teria denegrido a sua autoridade como comandante-chefe dos Estados Unidos. Embora o acordo possa retirar ao regime de Assad algumas armas perigosas, o processo – se é que pode ser assim chamado – que o propiciou reforçou a percepção mundial de que a política externa dos Estados Unidos no segundo mandato de Obama está à deriva ou se orienta para o isolacionismo.

À resposta dos Estados Unidos à chamada “Primavera Árabe” faltou, por exemplo, convicção política e ainda menos estratégia. Os novos (que são antigos) governantes militares do Egipto, por exemplo, concluíram que a crítica americana pode ser ignorada porque, por razões geopolíticas, os Estados Unidos não podem suprimir a ajuda ao Egipto. Quando me encontrei com o ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto, Nabil Fahmy, em Agosto, insinuou a insatisfação do novo regime face às tentativas da União Europeia e dos Estados Unidos de influenciar a política interna do seu país. De acordo com o que disse, o Egipto entende a importância da democracia e dos direitos humanos, mas evitar a turbulência deve ser a maior prioridade do Governo.

Naturalmente, os apelos à “estabilidade” não são nada de novo nos governos autoritários. Como disse desdenhosamente o então presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, quando visitei Islamabad como ministra da Defesa do Japão: “Democracia? Eu sei tudo sobre isso”.

Obviamente, os Estados Unidos afirmam que também sabem tudo sobre democracia. Mas a dissonância cognitiva em questões diplomáticas – criticar o regime egípcio sem cortar com o fornecimento de armas – serve apenas para deteriorar as relações bilaterais, da mesma maneira que a abordagem americana para com o regime de Musharraf corroeu completamente os laços entre os Estados Unidos e o Paquistão.

Além disso, as consequências de tal tagarelice sobre a política externa não se limitam ao Médio Oriente. Em Novembro de 2009, quando Obama visitou o Japão pela primeira vez como presidente, enfatizou que era do Havai e que se orgulhava de ser “o primeiro presidente americano do Pacífico”. Dois anos mais tarde, a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, publicou um artigo intitulado “America’s Pacific Century”, onde indicava uma mudança na estratégia mundial dos Estados Unidos.

Essa declaração de um “regresso à Ásia” marcou o início do famoso “pivot” da política externa dos Estados Unidos para o Pacífico – uma mudança para longe do Médio Oriente, determinada a enfrentar os desafios colocados pelas crescentes ambições geopolíticas da China. Todas as democracias asiáticas (e alguns das suas autocracias, particularmente o Vietname) o congratularam.

Mas, embora a retórica importe em diplomacia, a mudança será fatalmente prejudicada se os asiáticos perceberem o tipo de diferença entre as palavras dos Estados Unidos e as suas acções, que se tornaram evidentes na sua política face ao Médio Oriente (apesar dos esforços determinados de Kerry para revitalizar as negociações de paz entre Israel e a Autoridade Palestiniana). Em particular, há ainda um medo atroz de que os Estados Unidos possam ainda escolher a opção “G-2”: um grande acordo com a China para que os dois países possam decidir o destino da Ásia por si mesmos e sobre as nossas cabeças. Dada a dimensão e influência de países como a Índia, Japão, Indonésia e Coreia do Sul, semelhante acordo está, sem dúvida, condenado ao fracasso. Assim, por mais tentador que essa relação possa ser, os Estados Unidos devem resistir.

Enquanto isso, no Japão, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, iniciou uma discussão nacional a respeito de como o país pode assumir uma maior responsabilidade na sua própria defesa. O Governo nipónico continua a depositar grande fé na aliança Japão-Estados Unidos como o alicerce da segurança japonesa (e asiática). Mas, o Governo de Abe também reconhece que as placas tectónicas geopolíticas mundiais estão a mudar e que muitos nos Estados Unidos se sentem tentados pelo canto de sereia do isolacionismo. Desta forma, Abe sente-se obrigado a colocar o Japão numa posição que permita ajudar as democracias da Asia a gerir qualquer crise que possa surgir no caso de uma mudança regional da América.

Nos próximos dias, o Japão vai receber Caroline Kennedy, filha do presidente John F. Kennedy, e, provavelmente, futura embaixadora dos Estados Unidos no Japão. Caroline Kennedy vai encontrar um Japão renovado e comprometido com a liberdade da Ásia. É de esperar que esse exemplo, similar ao apelo feito pelo seu pai há 53 anos, em prol da defesa da liberdade, possa evocar o melhor do espírito americano.

 Ex-ministra da Defesa do Japão e conselheira de segurança nacional, foi presidente do Partido Liberal Democrata. Actualmente é membro da Dieta Nacional do Japão (parlamento japonês).

© Project Syndicate, 2013.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
25/10/13

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