03/10/2013

OSCAR MASCARENHAS

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 Soluções inovadoras
 não parecem resultar 
nas caixas de comentários

No meu tempo de universitário, vivíamos em ditadura e obscurantismo intencional disseminado pela sociedade. Muitos de nós, estudantes, tínhamos a preocupação de sair do campus e "estar com o povo", uma entidade mais sonhada do que real até ao momento de a começarmos a conhecer, com alegrias e deceções.

Víamos a universidade como um privilégio - e era-o - e apostávamos em transformá-lo num serviço à comunidade. Dávamos aulas à noite em associações recreativas e confraternizávamos com copos e petiscos à frente com operários e modestos empregados.

Avisadamente, apesar de termos a convicção de saber mais do que "eles", estávamos ali mais para os ouvir do que para falar, por duas razões: primeiro, para os conhecer; e segundo, e mais importante, para dançar na conversa ao ritmo que eles marcassem, sem lhes tentar impor o nosso discurso político carregado de certezas e radicalismos, não fossem tomar-nos por provocadores pidescos.
Para mim, foi uma excelente aprendizagem, uma formidável recruta para a vida e o princípio de uma amizade blindada de mais de 40 anos.

No entanto, certo dia, apareceu naquela tertúlia "operário-estudantil" um colega universitário, voluntarioso e despachado, e que se achava possuidor da fórmula certa para "falar com os operários": a cada duas palavras - um palavrão! Estava a adaptar a sua linguagem aos ouvidos do povo trabalhador...

Reparámos que os nossos interlocutores não se mostravam agradados com aquele tipo de comunicação, até que um deles, o mais sábio, se voltou para o recém-chegado e o verberou:
- Olha lá, tu andas na universidade, não andas? Então porque é que dizes tantos palavrões? Porque achas que nós falamos assim, não é? Pois olha: se nós falamos assim, não é por gosto, é por não sabermos mais. E se falamos contigo e com os teus colegas, não estamos à espera de que falem como nós. O que gostaríamos era de falar como vocês. A nós, o palavrão sai-nos sem pensar. Tu dizes palavrões quando não precisavas de dizê--los. Assim não ganhamos nada com a conversa.

Remédio santo. Grande lição! E ficámos a saber, definitivamente, que os "operários" não gostam de palavrões, mesmo que digam palavrões. Os palavrões são um ruído na conversa, ficam mal em todos os estratos sociais e só são aceitáveis em poemas de raiva como o notável "Vernáculo (para um homem comum)", de António Manuel Ribeiro, dos UHF.

Era isto que eu queria dizer - se servisse para alguma coisa - às pessoas que entopem as caixas de comentários da edição online do DN com ordinarices e grosserias. Essas pessoas estão a escrever (?) abaixo do que são capazes, parecendo sofrer de um psitacismo de mau hálito dentro de uma sarjeta pútrida.

Ainda não percebi onde é que é os responsáveis do DN encontram vantagem nessa permissividade: estes leitores (?) do online não gastam um tostão com o jornal, nunca o comprarão e aproveitam a borla para o sujar. Parecem aqueles frequentadores de café que pegam no jornal ali oferecido e se põem a fazer as palavras cruzadas, esborratando tudo e largando-o para o senhor que se segue. Mas aí, ainda se vendeu um exemplar. No online, nada. E se se crê que é um bom reclamo o elevado número de contactos, pouco avisados são os anunciantes se acham que esse é um barómetro adequado para os seus negócios.

Tenho acompanhado há mais de ano e meio os notáveis esforços que os responsáveis do DN têm feito para não impedir a liberdade de participação dos leitores, para confiar no seu sentido de responsabilidade e para proporcionar um veículo de diálogo na comunidade dos leitores. Faz-me lembrar a anedota do campónio que vê a mulher pintar os lábios. Pergunta-lhe para que faz ela isso e tem como resposta: "Para ficar mais bonita?" E ele, perplexo: "Então... porque é que não ficas?"
Nenhum dos bons propósitos em relação às caixas de comentários está a ser conseguido: não há liberdade de participar quando se arrisca na volta a levar com um insulto ou um comentário soez; campeia a irresponsabilidade nas agressões verbais, nos incitamentos ao racismo, à xenofobia, à intolerância sexual, política, religiosa - e até científica!; e não há diálogo nenhum na comunidade de leitores, antes se organizaram hordas de "apagadores" encarniçados de comentários de outros.
A abertura ao anonimato é péssima e não encontro esse sistema em mais nenhum jornal de qualidade em todo o mundo. Em todo o lado, os leitores que queiram participar nos comentários inscrevem-se, fornecendo elementos que os permitam responsabilizar em caso de abuso ou agressão. É-lhes permitido o pseudónimo, mas o órgão de informação tem a identificação do leitor.

Por outro lado, em parte alguma encontrei a possibilidade de o comentário entrar instantaneamente em página, sem ter passado por qualquer crivo - e essa prática, no DN, tem sido catastrófica. Em contrapartida, sem qualquer intervenção de responsáveis do jornal, permitiu-se uma autogestão do silenciamento: se um certo número de leitores não gostar de um comentário ou de um comentador, pode eliminar a sua contribuição, sem ter de apresentar razões. Veja-se este significativo testemunho de um leitor:

"O software automático de eliminação de comentários com que os servidores do DN estão equipados tem sido aproveitado por gente organizada para apagar comentários adversos à ideologia contrária. Tanto quanto observei nos últimos meses, essa iniciativa parte sempre de pessoas afetas à direita radical. Como sabemos que estamos entregues a um mecanismo automático, por vezes não nos resta outra solução senão retribuir o "expediente", caso contrário sairemos duplamente injustiçados pela atitude antidemocrática dessa gente. Não só ficamos impossibilitados de deixar a nossa opinião, como ainda por cima temos que ficar sujeitos à hegemonia dos comentários adversos aos nossos. Eu próprio, que sou de centro-esquerda, já fui várias vezes alvo de um ataque cerrado dessa gente antidemocrática e não me restou outra solução senão responder da mesma maneira, ou seja, eliminando os comentários deles também. Faço-o contrariado e como último recurso. Jamais tomei a iniciativa de denunciar comentários, a não ser em dois ou três casos, onde estúpida e violentamente se pedia a morte de Mário Soares ou de Manuel Alegre, coisa que, vilmente, acontece com frequência em relação a estas duas figuras públicas.

"Esta prática antidemocrática põe em causa o sucesso do Fórum e por vezes deixa a dúvida se estes atos de eliminação de comentários não têm origem mesmo dentro do DN. Eu cheguei à conclusão de que não parece-me ser de facto gente exterior ao DN. Deixa-nos até a sensação que essa gente pretende boicotar o fórum para assim minar a liberdade de expressão alcançada pela nossa Democracia, em abril de 74."
Em vez do diálogo, instalou-se, pois, a guerra.
Certos jornais "promovem" leitores mais assíduos nos comentários (publicados depois de monitorizados) a uma espécie de avaliadores da qualidade de outras contribuições. Mas esses "promovidos" estão identificados e têm poderes limitados. No DN, qualquer réptil pode cuspir a sua peçonha e, com dois ademanes de cauda, vassourar os outros.
Não tenho grande convicção de que faça vencimento a proposta nada inovadora de fazer como os outros jornais: identificação prévia e correta dos participantes na caixa de comentários - alguns órgãos de informação ligam o espaço de comentário a redes como o FaceBook, que tem fama de não brincar em serviço nesta matéria, podendo até ser excessivamente rigoroso - e filtragem dos comentários na perspetiva de serem úteis e enriquecedores do diálogo.

Enquanto estas soluções não forem postas em prática - sê-lo-ão alguma vez? -, apelo seriamente à Direção do DN para que tome medidas preventivas em certas áreas: a experiência diz-nos que a notícia do falecimento de certas personalidades, nacionais e estrangeiras, se transforma num festim de abutres sem qualquer respeito pela memória do falecido nem pela dor dos seus entes queridos - é um fartar vilanagem. Fechar, pura e simplesmente, a caixa de comentários dessa notícia - como tenho visto fazer - é uma solução radical que retira a possibilidade a pessoas de bem manifestar a sua mágoa pela perda, ou mesmo as suas críticas feitas com elevação. Essas notícias, a meu ver, deveriam conter o e-mail do editor, que receberia os comentários e publicaria aqueles que, em seu critério (se fazemos confiança no seu critério para editar a notícia, porque não a faríamos na edição de comentários?), merecessem ser publicados.
Notícias sobre a vida de pessoas famosas têm sido um vazadouro de ofensas e grosserias que só se curariam em casa de correção ou à bengalada. Há, de facto, gente horrorosamente ordinária a empestar os comentários. Todas essas notícias, nomeadamente da secção Vidas, deveriam ter um e-mail de responsável a quem fossem enviados os comentários. O mesmo para todas as notícias que se preveja que possam despertar a boçalidade racista, xenófoba ou de intolerância sexual. Idem para as notícias sobre religião. E, em absoluto, no noticiário sobre ciência!

O leitor talvez não se tenha apercebido, mas chegam-me frequentes queixas que demonstram como o noticiário sobre ciência se transformou num campo de batalha onde superstição, beatice e espírito científico se digladiam numa luta de morte. Por espírito de tolerância, pode admitir-se que alguém exprima a sua convicção de que o mundo tem seis mil anos de existência (!). Mas é intolerável que esse comentário seja repetido DEZENAS de vezes na mesma caixa e, de caminho, vão sendo apagadas as outras contribuições.
Quem edita o noticiário sobre ciência tem a obrigação de filtrar os comentários. Em nome da ciência e do enriquecimento cultural.

Provedor do leitor

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/09/13

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