20/10/2013

LÍGIA AMÂNCIO

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Tristes elites 

O que pode levar uma elite política a um tão grande divórcio com o seu próprio país e à guerra aberta contra a comunidade a que pertence é uma interrogação permanente.

Depois do feriado nacional do dia da reunificação, a 3 de Outubro, sucede-se uma pausa na calendário escolar de algumas regiões da federação alemã que levou muitas famílias a rumar ao Sul da Europa para umas curtas férias (noutras regiões esta semana de pausa tem lugar no final de Outubro). Entre feriados nacionais e regionais mais as férias de Natal, Carnaval e Páscoa, os alemães têm vários momentos de descanso ao logo do ano que não deixam de aproveitar, como acontece em qualquer país.

Excepto em Portugal. Aqui, o Governo ficou muito encabulado por alguns portugueses terem escolhido a praia, para descansar e aproveitar o bom tempo de Junho, na altura em que a troika chegava a Lisboa, pela primeira vez, e decidiu então eliminar feriados para poder dizer aos seus mandantes: “Vejam como nós pomos na ordem este bando de calaceiros!”... E não teve pejo em assumir publicamente que a medida era necessária por uma questão de imagem. Não seria certamente por questões de produtividade, porque uma tal medida só pode ser desmotivadora e geradora de insatisfação no trabalho (como, aliás, mostram inquéritos recentes sobre a satisfação no trabalho), pois como a história das relações do trabalho mostrou, não é o trabalho como castigo, sujeito à repressão de capatazes cruéis, que contribui para o aumento da produtividade.
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O que pode levar uma elite política a um tão grande divórcio com o seu próprio país e à guerra aberta contra a comunidade a que pertence é uma interrogação permanente, perante o estilo de governação a que estamos sujeitos. Cada medida que é anunciada faz-se acompanhar de um argumentário mais violento, inventa um novo bode expiatório e avança com mais um preconceito, numa espiral de ódio e desprezo pelas pessoas, desrespeito pelas instituições e irritação com a democracia. É a indolência dos que recebem rendimento mínimo, a riqueza dos aposentados da função pública, o abuso das viúvas que acumulam pensões, a preguiça dos desempregados.

Mas se as medidas se inscrevem coerentemente no anátema lançado sobre a população de que vivemos acima das nossas possibilidades, que temos que empobrecer, e num programa político concebido para a exportação dos recursos humanos mais bem qualificados do país, para a destruição da escola pública e das instituições científicas de excelência, o desmantelamento do Estado social, a suspensão da democracia e do Estado de direito, então para quê tal necessidade de acrescentar juízos morais?

Também não seria necessário estar sempre a desculpar-se com os outros: o anterior Governo, os credores, os mercados e a troika, essas entidades externas maquiavélicas que os obrigam a fazer tais maldades às pessoas. A subserviência e o desprezo pelo país não são exigência de ninguém, mas passam a fazer parte da equação quando os próprios dirigentes as interiorizam e transmitem na sua relação com o resto do mundo, de tal modo que desde o presidente da Comissão Europeia à senhora Christine Lagarde, todos se sentem no direito de dar ordens ao Tribunal Constitucional de Portugal (comentários que nunca seriam dirigidos às mesmas instâncias de outros países e muito menos ao Tribunal de Karlsruhe, apesar de tomar decisões referentes à Europa) e tratar a democracia portuguesa como uma excepção.

Ninguém obriga o próprio Governo a pressionar e atacar os órgãos de soberania, sempre de modo a que a sua voz seja bem ouvida no exterior, como aconteceu ainda no tempo do PEC IV. Ninguém o obriga a alimentar o ódio contra os pobres, os idosos, os reformados, os desempregados e os funcionários públicos. Não, ninguém obriga a nada disso, mas isso dá jeito quando se decide consciente e deliberadamente transformar esses grupos, e só esses, nos alvos dos tais credores, os eleitos para a resolução do défice, as vítimas inocentes de erros cometidos por outros indivíduos e instituições cujos interesses o Governo defende e protege, ao contrário do que jurou na sua tomada de posse.

Psicóloga social e professora catedrática do ISCTE

IN "PÚBLICO"
15/10/13

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