31/10/2013

FERNANDO SANTOS

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Os bufos na espionagem

Uma parte da União Europeia está enxofrada com os Estados Unidos. Uma parte da América Latina está enxofrada com os Estados Unidos. Razão: Angela Merkel, François Hollande, Dilma Rousseff e mais uns quantos líderes abespinharam-se por terem sido alvo, eles e uns milhões dos seus súbditos, de escutas por parte da Agência Nacional de Segurança norte-americana. 
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Poder-se-iam sentir muito importantes por fazerem parte de um cardápio no qual para já não entram nações minorcas (como Portugal), mas não. Em nome de uma alegada amizade e das relações Atlânticas estão numa onda de puxar as orelhas (dizem eles) ao presidente de que são (eram?) mais fãs do que os próprios americanos: Barack Obama.

O ar de gravidade marcou a Cimeira Europeia desta semana e dela resultou o costume: uma aliança franco-alemã para tentar chamar à razão a Casa Branca através da criação de um código de conduta bilateral aos serviços de informação. Pois. A impossibilidade de uma posição à escala da União estava escrita nas estrelas, ou não houvesse divergências e leituras diferenciadas, a começar pela de David Cameron, o primeiro-ministro inglês.

O arrufo, naturalmente, deve ser interpretado à luz da hipocrisia internacional reinante, embora suscetível de gerar complicações, a começar pelas que decorrem das eventuais voltas e contravoltas do projeto de Livre Comércio Europa--Estados Unidos.

Os mais cândidos tenderão a considerar haver serviços secretos bons e serviços secretos maus, espiões amigos e espiões inimigos. Reducionista, uma tal visão tenderá a ignorar todo um trabalho invisível, suscetível embora de "aggiornamentos" consoante os interesses e as alianças geoestratégicas em presença em cada fase da História. A espionagem, política, militar, industrial e por aí fora, faz parte do ADN de qualquer Estado que se preze, embora calibrada em função dos respetivos poderios. Todos os países, da Alemanha de Merkel à França de Hollande, passando pelo Brasil de Rousseff ou, já agora, Portugal de Passos Coelho, têm esquemas de informação sobre todos os parceiros, internos e externos, graduando-os conforme os interesses. 

O atual ruído gerado pela informação constante das bases de dados da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos acaba, pois, por obedecer a outro tipo de propósitos, alguns deles pérfidos. Todos a roçar a hipocrisia.

É de natureza simples o essencial e quebra-cabeças de uma sociedade na qual os avanços tecnológicos (redes de fibra ótica, web e acoplagem a ela de novos sistemas de comunicação, a começar pelas redes sociais) permitem maior escrutínio. Desde logo: como garantir a não violação dos serviços de espionagem por tipos como o soldado analista de dados Bradley Manning (fornecedor de milhões de informações à Wikileaks) ou o ex-consultor da inteligência americana Edward Snowden, agora casadoiro na Rússia e responsável pela atual crise?

Esse é o ponto. Sobretudo se se considerar já não haver muitos países como Portugal onde um agente dos serviços de informações ou espionagem até muda legalmente de poiso e acaba a prestar serviços a uma empresa privada.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/10/13


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