23/10/2013

EDUARDO OLIVEIRA E SILVA

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Trafulhices

Trafulhice (do dicionário): intrujice, aldrabice, acção por desonestidade.

Exemplo prático: alguém morre e deixa uma pensão de 1000 euros. Desse montante, o cônjuge recebe 60%, ou seja, 600 euros.

Um dia, um vice-primeiro--ministro e uma ministra de Estado e das Finanças, ladeados por um ajudante, anunciam que, dada a situação dramática do país, o sobrevivo passa a receber 54%. “Ou seja, estão a dizer--me que vou perder 6%”, pensam os viúvos.

Resignados, aceitam. Pensam novamente: “Vou perder 60 euros.” Preparam-se para deixar de comprar o remédio para as varizes, o pão-da-avó, as bolachas--maria, e para só tomarem um café fora cada duas semanas.

Chega a pensão no mês seguinte e lá está a verba. Acham que está certa, mas não está. Na realidade, foram iludidos.

Isto porque a conta real é a seguinte: o novo montante da pensão, ou seja, 540 euros, é a base sobre a qual devem ser feitas as contas e significam, de facto, um corte de 10% no rendimento disponível, que anteriormente era de 600. Se calhar, não é trafulhice, mas simplesmente ilusionismo.
Baralha e volta a dar, exactamente como na vermelhinha.
Correr na passadeira
Quem corre em passadeiras sabe perfeitamente que há uma coisa certa: por mais que se esforce e transpire, não sai do mesmo sítio. É exactamente isso que está a acontecer aos portugueses.

Correm, esforçam-se, mas não chegam a lado nenhum. E se há coisa que podemos ter por garantida é que a situação não se vai alterar, exactamente porque todo o plano que o governo desenhou está baseado nos pressupostos errados de somar austeridade à que já existe, juntando ao brutal aumento de impostos de 2013 o agravamento de mais uns quantos e um pesado corte de salários e pensões que
tem exactamente o mesmo efeito.

Assim sendo, torna-se óbvio que o Orçamento que vai a discussão é uma ficção absoluta, baseada em premissas erradas do lado da receita e da despesa, com projecções de crescimento irrealistas.
Isto simplesmente porque mantém rigorosamente a mesma trajectória que Vítor Gaspar seguiu, mas que acabou por renegar, demitindo--se e desaparecendo de cena.

Num governo que tem gente inteligente, há então que procurar as razões para manter um rumo absurdo que nos vai levar a bater de frente numa parede. A explicação só pode ser uma. A troika está fortemente empenhada em sair de Portugal sem um fracasso igualzinho ao da Grécia e, por isso, não aceita a priori alterações ao guião que foi retocado no ano passado e no anterior, para evitar desastres.
Ao longo do ano, em função da constatação dos erros de orçamentação que inevitavelmente vão verificar-se e da probabilidade de algumas medidas serem rejeitadas pelo Tribunal Constitucional, tanto a troika como o governo terão na mão argumentos excelentes para justificar um falhanço que não podem aceitar de antemão.

A ideia de que não houve um fracasso nem cá nem na Irlanda tem de passar à força, mesmo que as consequências pós-troika sejam funestas e impliquem uma bancarrota.

Se o edifício cair seis meses depois, tanto faz. Haverá sempre matéria para justificar o fracasso com o que entretanto aconteceu, nem que seja pela simples incapacidade dos indígenas dos Estados em falência.

IN "i"
19/10/13


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