01/09/2013

PEDRO TADEU

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Não me esqueço de António Borges

Uma coisa é noticiar a importância de uma personalidade na sociedade portuguesa, relatar a sua influência, documentar aquilo que dizem sobre ela pessoas relevantes, contextualizar e analisar o significado da sua atividade. Outra coisa é ter opinião sobre ela.

Ao noticiarmos a vida de António Borges não podemos deixar de realçar os méritos técnicos e profissionais que só uma inteligência invulgar, aplicada ao longo de muitos anos de trabalho, consegue alcançar. 

Um currículo que soma lugares como os de reitor do INSEAD de Paris, vice-governador do Banco de Portugal, diretor do FMI, vice--presidente da Goldman Sachs, administração em bancos e grandes empresas, não dá margem para dúvidas sobre os méritos da pessoa. Um obituário jornalístico rigoroso tem de realçar esse aspeto.

Também o rigor jornalístico impõe noticiar a frontalidade com que António Borges tomou posições polémicas, mesmo sabendo o preço que pagaria por isso na carreira política. Este contraste com a normalidade do comportamento dos seus pares teria, igualmente, de ser assinalado.

Se eu tivesse de fazer a infeliz notícia da morte do economista, teria de focar-me nessas evidências. Ao dar, no entanto, uma opinião sobre António Borges tenho de focar-me noutro aspeto: naquilo que acredito, talvez erradamente mas com convicção, ter sido uma influência negativa para a sociedade decorrente da passagem deste homem notável pela política e por lugares cimeiros da economia mundial.

Não me esqueço quando António Borges disse que "a diminuição de salários não é uma política, é uma urgência". 

Não me esqueço quando defendeu que os trabalhadores deveriam pagar mais taxa social única e os patrões menos. 

Não me esqueço quando advogou a destruição da RTP. 

Não me esqueço que instituições como a Goldman Sachs e o FMI foram responsáveis, no tempo em que ele lá esteve, pela distorção de equilíbrios na economia mundial que nos levaram a uma crise gigantesca empobrecedora de milhões de pessoas. 

Não me esqueço que aquelas instituições onde ele pontificou foram cúmplices (e até autoras) de autênticos crimes económicos que, tirando um ou outro bode expiatório mais desprotegido, ninguém pagou, a não ser as suas vítimas, diretas ou indiretas.

António Borges seria pessoalmente admirável mas a sua visão do mundo, para mim, era detestável. Para um homem que sempre odiou a hipocrisia, penso que o que escrevo é o verdadeiro sinal de respeito que, sem dúvida, lhe é devido.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
28/07713

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