02/09/2013

HELENA GARRIDO

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A rigidez do FMI

"Se os números não confirmam a teoria então é porque os números estão errados". Esta ironia é em geral usada nos meios académicos para reduzir ao absurdo a defesa de uma tese que se revela manifestamente errada. Mas parece ter sido transformada em regra no caso dos dados salariais desaparecidos na folha de cálculo que estava incompleta. Era fundamental que o FMI passasse a respeitar a realidade e procurasse outras razões para o desemprego em Portugal que não se limitassem aos salários. Ou corremos o risco de levar bastante mais tempo a ter menos desemprego.
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Para quem ainda não conhece o caso, a história conta-se em poucas linhas. O jornalista Rui Peres Jorge viu no relatório do FMI relativo à sétima avaliação um gráfico sobre a evolução dos salários. E quis ter acesso aos dados que deram origem a essa ilustração que nos dizia que apenas 7% dos trabalhadores inscritos na Segurança Social tinham sofrido uma redução salarial em 2012. Quando tem acesso aos números verifica que a folha de "Excel" enviada pelo FMI continha erros. Tinham desaparecido quatro mil trabalhadores de uma amostra que se dizia ter 18.600 pessoas.

A pergunta seguinte é: qual terá sido a variação salarial dos trabalhadores omitidos? É aí que se descobre que boa parte deles tinha tido cortes na sua remuneração. Com estes dados conclui-se que, afinal, cerca de 20% dos trabalhadores ganhou menos em 2012 do que em 2011 e não apenas 7% como se dizia no relatório do Fundo.

A omissão daqueles quatro mil trabalhadores deu da evolução dos salários um retrato falso e fundamentou, pelo menos parcialmente, nova recomendação de redução de salários no sector privado por parte do FMI. Uma insistência que vem desde a assinatura do Memorando de Entendimento (traduzida na política da desvalorização interna e na medida de redução da TSU suportada pelos empregadores).

O raciocínio do Fundo é muito simples. Usando a ferramenta mais popular entre economistas, que é a lei da oferta e da procura, conclui-se que o emprego diminui porque o salário (o preço) não baixa. E daqui conclui-se que se os salários baixassem o desemprego diminuiria ou, pelo menos, não aumentava tanto. Ou seja, as empresas não despediriam tantas pessoas ou, no limite, algumas não teriam de falir, uma vez que poderiam praticar preços mais baixos.

Ninguém sabe exactamente como nem porque desapareceram quatro mil trabalhadores da amostra dos salários e porque foram, na sua maioria, casos de reduções de salários. Pode ter sido um erro, uma tentativa (mal sucedida) de correcção de observações irregulares (’outliers’). Esperar-se-ia uma explicação convincente, segura. Mas nada disso aconteceu. O FMI revelou-se desorientado numa primeira fase, como se tivessem perdido a sua principal prova para a necessidade de redução dos salários, com intervenção do Estado, no sector privado.

Um economista de mente aberta, colocado perante a observação de redução dos salários por efeito das forças do mercado, ficaria, não se pode dizer satisfeito, mas animado pela flexibilidade da economia. Um país que se adapta é capaz de ultrapassar as suas dificuldades mais rapidamente. Mas parece ter acontecido o contrário.

O FMI parece mais preocupado em salvar a sua face, em defender as suas receitas do que em compreender o que realmente se está a passar na economia portuguesa, no que efectivamente pode ser feito para combater o desemprego. A rigidez parece existir mais no FMI do que na economia portuguesa. 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" 
28/08/13

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