04/07/2013

EKER SOMMER

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A meretriz 
e o proxeneta 

Os portugueses deixam-se distrair para esquecer o essencial

Ontem senti-me num prostíbulo a ser explorada por uma meretriz. Há coisas que, de facto, só podem ser chamadas pelo nome por muito que se tente doirar a pilula para não chocar os espíritos mais púdicos ou os ouvidos mais sensíveis. 

Sei-o bem e, por isso, depois de muito andar às voltas à procura de expressão menos agressiva, tive de resignar-me à evidência. Assumi a vulgaridade e, sem pejo, dei voz ao que vai na alma dos milhões de portugueses que, em peregrinação, estão a dirigir-se às repartições de finanças de todo o país. 

Condenados a (re)pagarem o Imposto Único de Circulação que, qual fantasma, surge vindo do passado, sabe-se lá por que artes, desembolsam, pela enésima vez, mais uns trocos para os cofres do Estado. Confesso que a ideia é brilhante e digna de uma meretriz: sugar o cliente – leia-se contribuinte – até ao tutano, fazendo-o pagar por um serviço que até já está fora de prazo. Só a mim – cidadã responsável que nunca se lembrou de guardar o talão de multibanco do pagamento do IUC do ano anterior ao vigente quanto mais o de há quatro anos – o Estado me levou ontem, de uma assentada só, a módica quantia de 107,90 euros à conta de uma mota e de um carro. 

Quis a sorte, que às vezes protege os indefesos, remeter para data anterior a 2007 a matrícula do crime e, por isso, o imposto da viatura se ficou pelos 20 euros. Dos juros de mora e das duas coimas pelo suposto pagamento fora de prazo, o incumprimento dizia respeito a 2009, também não me livrei. O sistema, disse-me a funcionária que me atendeu, muito simpática por sinal, não mos podia perdoar. Eu era uma perigosa cadastrada fiscal, pois num ano de má memória entregara a declaração de IRS um dia fora de prazo. Agradeço à Providência não ter mais veículos à data porque, se não, com pagamentos duplicados, juros e multas, lá se ia o meu subsídio de férias virtual que, provavelmente, nunca irei receber. Num rasgo de ingenuidade e com a voz contida, confessei à constrangida funcionária que tinha pagado, a tempo e horas, os ditos impostos e, num ato de derradeiro desespero, questionei-a de como poderia saber por onde andariam os malditos comprovativos se, nem sequer, me lembrava já da cor dos veículos! 

Ela, com olhar compreensivo, aconselhou-me o óbvio: arquivar tudo a partir de agora. E quase envergonhada desabafou que, curiosamente, muito poucos dos – e cito – “milhões” de contribuintes em falta contactados pelas finanças tinham conseguido provar, até agora, que pagaram. Alguma coisa não bate certo! Das duas, uma: ou em 2009 a fuga ao fisco foi sem precedentes e, se calhar, estamos como estamos porque só meia dúzia pagou o IUC ou então é simples e elementar que NINGUÉM no seu santo juízo e sem a mania da perseguição se lembrou de guardar os recibos do IUC de há quatro anos. Esperta, atenta e, quem sabe?, desesperada, a meretriz montou bem esta armadilha. Pagar a duplicar como eu e ponto final. É assim legítimo pensar que, também nisto, o Estado está a agir de má-fé, sabendo de antemão que lá se vão enchendo os cofres das PPPs, das swaps e das fundações à custa de uma pequena distração ou de um breve desleixo dos contribuintes.

Entretanto, os portugueses deixam-se distrair para esquecer o essencial. Neste barco à deriva, muitos se indignam, mas poucos levantam a voz. E quem governa sabe-o. A greve dos professores, que por acaso são também funcionários públicos, foi disso exemplo. Contou-se a história do lobo mau e do capuchinho vermelho e deu-se força à estratégia governativa de esvaziar o grito possível de revolta num tempo que não poupa ninguém e que exige a união de toda a sociedade contra um alvo comum. Mas, verdade seja dita, é sempre mais fácil derrubar uma classe do que um governo. Este, rezemos todos, oxalá não se lembre de exigir à meretriz que invente novas formas de rebuscar mais dinheiro do passado.

 É que, não se esqueça, onde há uma meretriz, há sempre um proxeneta.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
29/07/13

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