02/06/2013

SARA BALONAS

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Criatividade: modos de usar

Recentemente, o PÚBLICO perguntou a artistas plásticos, realizadores, escritores, publicitários, entre muitas pessoas talentosas, o que é a criatividade. Muitas respostas, todas diferentes. A ideia que fica é a dificuldade em encontrar uma definição que resuma tão complexa questão.
A verdade é que a criatividade pode ser uma boa pista para o nosso futuro colectivo. Mas, vamos por partes. Mergulhemos nas várias faces da criatividade.

Em certos casos, a criatividade é tão indissociável da prática que existem profissionais chamados “criativos”, como na Publicidade. Com passagem de atributo a substantivo, os criativos são uma classe profissional. O que fazem, em concreto, estes directores criativos, directores de arte, designers e redactores? Criam soluções para problemas apresentados pelos clientes. É-lhes exigido resolver com originalidade mas também com eficácia. A inovação, a imaginação e a originalidade são questões recorrentes. Não é por acaso que David Droga, um reconhecido criativo, desabafa: “não tenho medo da falha, tenho medo da repetição”.

Porém, a criatividade, tal como a conhecemos hoje, é uma ideia com pouco mais de um século. O significado actualmente atribuído à criatividade nada tem a ver o uso do termo nas civilizações ancestrais. Na Antiga Grécia, qualquer forma de arte, expressa na pintura ou na poesia, por exemplo, não era criação. Não existia sequer a palavra “criar” sendo o mais próximo o “fazer”. Na cultura ocidental, a noção de criatividade surge com o cristianismo mas relacionada com a divina inspiração e não como atributo do ser humano. A criatividade era competência de Deus. O indivíduo só foi reconhecido como capaz de criar no período da Renascença, porém, tal era tido como capacidade apenas reservada a “grandes homens” (Albert & Runco, 1999).

O conceito de criatividade desviou-se do carácter divino na Renascença, quando o acto criativo deixou de ser exclusivo de Deus. Mas terá sido um processo gradual que só se tornou evidente com o Iluminismo, relacionado com a imaginação. Tornou-se objecto de estudo isolado apenas nos finais do séc. XIX. Em 1926, Wallas dá um importante contributo para o conceito de criatividade: considerava-a parte do processo evolutivo, que permitia aos humanos adaptarem-se rapidamente a alterações de ambientes. Uma ideia a reter.

Hoje, o conceito de criatividade é multidimensional. Está ligado às artes e à literatura, às áreas científicas, aos meios de comunicação, ao mundo empresarial, às indústrias e até aos governos. Não raras vezes está relacionado com a capacidade de gerar respostas. Como dizia Steve Jobs, novas soluções trazem novos problemas. A diferença é que são novos.

Richard Florida (2002) dá outro tipo de pistas ao distinguir três tipos de criatividade: a criatividade tecnológica (invenção), a criatividade económica (empreendedorismo) e a criatividade cultural/artística. A economia criativa será o resultado das interacções entre tecnologia, arte e negócios (Hollanders & Cruysen, 2009).

Mas, o que é, afinal, a criatividade na sociedade actual? Certos autores convergem na ideia de que a criatividade ou a invenção "é ver o que todos viram e pensar o que ninguém pensou", como Einstein e Feynman. May (1975) referia-se à criatividade como o processo de trazer algo de novo, que estaria escondido e que aponta para novas vias.

Parece ser consensual é que é preciso muito mais do que inspiração. Quase tão complexo como o conceito de criatividade são as várias abordagens ao processo criativo. Um dos modelos incontornáveis foi apresentado por Wallas (1926), e propõe cinco etapas: preparação, incubação, intimação, iluminação ou insight  e, finalmente, verificação. Neste processo, é comum recorrer ao brainstorming, uma técnica criativa exercida em grupo.
Contudo, tal por si só, não basta. É preciso desenvolver competências, com o pensamento bissociativo, a autonomia e a incubação (Swan & Birke, 2005). A criatividade envolve a bissociação: reunir diferentes perspectivas, habitualmente incompatíveis, sobre a mesma questão. Requer, ainda, um delicado equilíbrio entre a obediência e a desobediência. A pessoa criativa deve questionar e desobedecer a normas que sufocam o seu pensamento mas, ao mesmo tempo, quem desobedece enfrenta críticas e isolamento. Por conseguinte, há "regras sobre como quebrar as regras" (Cropley, 1999).

E a incubação? Contraria a imagem da ideia luminosa. É a terceira condição da criatividade e explica a forma como as empresas, nomeadamente, as agências de publicidade, gerem a criatividade. É o culminar de períodos de pensamento exaustivo e de esforço. Não quer dizer que o culminar não seja repentino mas a descoberta baseia-se no processo intelectual.
A acrescentar mais ao quadro, Daniel Pink (2005) defende que estamos a entrar numa era em que a criatividade está a ganhar importância. Numa era em que precisamos de alimentar e encorajar o lado direito do cérebro (da criatividade e da emoção) mais do que o lado esquerdo (do pensamento lógico e analítico).

Por fim, olhemos a criatividade como factor de inovação. A produção de novas soluções, como parte da resposta à encruzilhada da contemporaneidade, nomeadamente, os papéis em mutação nos vários actores da sociedade – Estado, empresas e sociedade civil.

Pertinentes as palavras de D. Manuel Clemente, quando refere que a marca distintiva dos portugueses é a sua “capacidade de resistência e a sua adaptação criativa, que só requer mais autoconfiança e acompanhamento público para ir por diante.” (PÚBLICO, 26 de Maio de 2013). Criemos, pois! Criar é uma capacidade que está em qualquer um de nós. É só substituir uma folha de excel por uma página em branco. E começar a praticar, inspirados por Einstein: “a criatividade é a inteligência a divertir-se”. Se tiverem dificuldade em começar, perguntem a um criativo.

Investigadora na Universidade do Minho e directora da b+ comunicação


IN "PÚBLICO"
29/05/13

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