31/05/2013

EMA PAULINO

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Sonhar sem adormecer 

O governo pretende aplicar aos hospitais públicos um modelo de gestão semelhante ao que já funciona nas Unidades de Saúde Familiares

Não fazemos todos as mesmas coisas de forma igual. Nascemos com tendências naturais para gostarmos mais de bonecas ou de carrinhos, de jogar à bola ou à macaca, de ciências ou de letras. E ao longo da nossa vida, vamos sonhando de olhos abertos e cultivando as nossas apetências para nos tornarmos exímios especialistas nas matérias de que já mais gostávamos à partida. São as nossas vocações, os sonhos que devemos cumprir. É a partir daqui que se gera eficácia e eficiência. A relação entre os resultados obtidos e os recursos empregues é tanto mais favorável quanto esses recursos, humanos e materiais, melhor estiverem vocacionados para o processo em causa.
Esta semana foi noticiado que o Governo pretende aplicar aos hospitais públicos um modelo de gestão semelhante ao que já funciona nas Unidades de Saúde Familiares. Este modelo pressupõe uma maior autonomia na utilização dos recursos, mas as estruturas serão premiadas financeiramente consoante os resultados obtidos nos vários indicadores que são contratualizados e monitorizados. Um grupo de trabalho estará a avaliar esta possibilidade e irá fazer propostas concretas até ao fim do próximo trimestre.

Será interessante acompanhar este processo, e verificar em que medida é que este irá contribuir para a utilização dos hospitais para aquilo que é a sua verdadeira vocação: a doença aguda e os cuidados de saúde de média/alta complexidade.

O trabalho de preparação tem vindo a ser desenvolvido, e baseia-se numa reorganização e capacitação dos cuidados primários, para onde os cuidados urgentes não graves e os cuidados a doentes crónicos devem ser transferidos, e a criação de redes de cuidados continuados, para onde os casos de convalescença e de índole social também podem ser deslocados. Outra área a realçar é a dispensa de medicamentos para doenças crónicas como na área da oncologia e do HIV/SIDA, que também deveriam poder ser dispensados nas farmácias comunitárias, evitando problemas de deslocação dos doentes, tais como os que foram também noticiados no início desta semana.
Um estudo efectuado pelo Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon School of Business and Economics e pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa, apresentado no final do ano passado, estimou que a transferência de cuidados de saúde dos hospitais para os cuidados de saúde primários ou para os cuidados continuados, com a actual arquitectura do sistema de saúde em Portugal, poderia representar uma poupança anual máxima para o Estado português entre ¬ 148 milhões no curto prazo a ¬ 372 milhões no longo prazo.
Esta nova medida proposta pelo Governo poderá favorecer esta transferência de cuidados, e consequentemente a adaptação ao novo paradigma da doença e da organização dos cuidados do SNS, desde que os indicadores de gestão seleccionados para a avaliação e financiamento sejam os adequados.

Por exemplo, nos EUA, a aplicação de um “imposto” aos hospitais que tivessem uma taxa de reinternamento aos 30 dias superior a um valor determinado pelo Governo teve como consequência um processo de reorganização interno, que contribuiu para uma maior presença de farmacêuticos na alta hospitalar no sentido de informar o doente sobre a terapêutica a efectuar, assim como uma crescente articulação com os cuidados primários, de forma a garantir que é aí que o doente permanece.

As vocações existem, e não podem ser encaradas nem como preferências nem como elitismos. Há que colocar os recursos onde eles são necessários. Em Saúde, todos queremos viver na realidade o sonho de ter um sistema que funcione de forma eficaz e eficiente... sem termos de adormecer!

Farmacêutica

IN "i"
23/05/13

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