05/04/2013

SOFIA N. SILVA

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As famílias especiais e 
com necessidades especiais


A Madalena tem 14 anos e é irmã do Miguel com 15 anos que tem défice cognitivo e necessidades educativas especiais. Estão numa fase de transição das suas vidas, agora que se irão separar no dia-a-dia. Até aqui frequentavam o mesmo estabelecimento de ensino, agora o irmão vai passar a integrar uma escola de ensino especial, mais adaptada e vocacionada às suas necessidades. A Madalena parece viver esta mudança com ambivalência...

“Eu sempre achei que o Miguel devia estar numa escola especial, mais preparada para desenvolver as suas capacidades... mas agora... não sei... como é que ele vai estar nos recreios sozinho... sem mim... Às vezes eu defendia-o, porque ele se humilhava a si próprio. Nunca suportei que gozassem com ele (chora)... Era como se gozassem comigo também... Mas depois quando ele ia ter com os meus colegas também me irritava porque ele chateava -os! Mas também não conseguia mandá-lo embora...Eu adoro o meu irmão... Ele é só... diferente...”

Viver e crescer numa família onde uma das crianças tem características que a diferencia das outras – seja uma doença, um défice cognitivo ou deficiência física – será um caminho que trará a todos desafios e recompensas. Irmãos e pais serão chamados a adaptar-se e ajustar-se a uma nova forma de vida, ou pelo menos, uma vida diferente da das famílias comuns.

Sabemos que estas são famílias com exigências particulares a vários níveis: ao nível das rotinas, pelos tratamentos ou dedicação às necessidades do filho diferente; ao nível financeiro, com despesas tantas vezes acrescidas por esta condição; ao nível das limitações das actividades sociais, pela impossibilidade de frequentarem certas atividades em conjunto; ao nível do constrangimento de tempo para os outros filhos; e ao nível do cansaço ou exaustão física e emocional que estes pais sentem muitas vezes, tornando-os emocionalmente mais vulneráveis ou menos disponíveis.
Também sabemos que nesta forma de vida, os irmãos saudáveis desenvolvem um sentimento de proteção e responsabilidade, face a múltiplos aspetos da vida do irmão diferente. Este facto não deverá ser olhado apenas com medo ou receio de ser um fardo demasiado pesado. Os irmãos de alguém que é diferente, são geralmente mais tolerantes e respeitadores da diferença do outro, tendo um maior sentido de justiça social, uma maturidade superior pelos desafios do seu dia-a-dia, aumentando-lhes assim a compreensão das prioridades. E sobretudo, por aprenderem e aceitarem que servir os outros faz parte da vida!
Ao longo do crescimento da família, os pais deverão estar atentos e permitir que aos filhos “saudáveis” exprimirem como sentem e vivem esta experiência, para que no fundo possam ter expectativas realistas acerca do impacto que esta condição tem na família.
Não falar, permite que se instalem vazios aos quais os filhos reagem de forma muito diferente, consoante a sua personalidade. Uns, mais inibidos, adotam muitas vezes atitudes de maior isolamento ou retraímento dentro da família, assumindo um papel quase ausente. Outros, mais extrovertidos, passam a agir através da agitação motora ou verborreia, por forma a ocupar este espaço de vazio ou de não ditos, encarnando o papel de “animadores” da família. Em ambos os casos, poderá ser um fardo demasiado pesado para carregar, e qualquer um dos papéis, terá custos grandes, que a todo o momento se poderão tornar evidentes, através de sintomas ou alterações de comportamento reveladores deste sofrimento e mal-estar.
Enquanto pais, ter presente a importância de estar atentos à tendência natural de “colocar” no filho saudável, as exigências ou expectativas que sabem não poder realizar com o filho “diferente”. Isto sim, poderá representar um grande peso!
Comportamentos que os filhos saudáveis apresentam, que apenas caraterizam as várias etapas do desenvolvimento, são muitas vezes sentidos por estes pais, como uma ameaça maior. Como se estes comportamentos comprometessem o alcançar da “perfeição” tão desejada ou projetada no filho saudável. Ter a capacidade de ir deixando este filho poder Ser, mais ou menos como É, ao longo da sua vida, irá contribuir para a afirmação da sua individualidade e autonomia.
Sabemos que neste contexto, esta é uma luta mais difícil de ser travada, quando alguém sabe que nunca poderá competir com a diferença do irmão. Por outro lado, também evitará maiores explosões de afirmação em fases de maior fragilidade, como por exemplo, a da adolescência. Nesta fase, poderá sair tudo aquilo que foi “calado” ou inibido até aqui, porque não lhe foi permitido ou porque este irmão tem geralmente a tendência de não querer ameaçar o equilíbrio e estabilidade familiar.
Socialmente, os irmãos saudáveis têm muitas vezes que assistir e suportar “agressões” ao irmão por parte dos pares ou da sociedade. Estes são momentos geradores de sentimentos de forte injustiça e impotência, pela sensação de que nunca o poderão proteger de tudo. Estes sentimentos são muitas vezes calados ou mantidos à margem dos pais, exatamente com um sentido de proteção, por saberem o quanto este é um tema que os preocupa e aflige, e que também lhes desperta os mesmos sentimentos.
As zangas ou momentos de agressividade que fazem parte do dia-a-dia e da construção da relação de irmãos, bem como de qualquer outra relação, são frequentemente sentidos pelos pais, como uma ameaça à estabilidade da relação e do amor entre irmãos. Nestes momentos, os pais confrontam-se com a sua finitude, bem como com a perspetiva futura de que os irmãos saudáveis serão os herdeiros do cuidar do irmão diferente.
Ter um irmão diferente é uma experiência que sabemos exigente e nem sempre fácil, tal como para os pais também é difícil terem que se adaptar a filhos com caraterísticas e necessidades tão distintas. Aqui há desafios acrescidos à parentalidade! Os filhos saudáveis precisam sobretudo, em alguns momentos, de serem olhados com fragilidade e vulnerabilidade, para que sintam que estas características também lhes podem ser devidas, sempre que precisarem de as manifestar.
A saúde mental de uma família começa obrigatoriamente na saúde mental dos pais – a capacidade que tiverem para preservar o seu espaço de casal; a aprendizagem de que a diferença do filho não pode, nem deve ocupar todo o espaço da vida da família – revela-se fundamental no ajustamento e adaptação daqueles que vivem com alguém com necessidades especiais. Acreditando sempre, que todos vão naturalmente encontrando o seu espaço de poder Ser Diferente na Família!

Psicóloga clínica e terapeuta familiar

IN "PÚBLICO"
01/04/13

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