02/03/2013

INÊS PEDROSA

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Com ou sem factura?

A exigência de factura nas transacções comerciais parece-me uma medida fundamental para garantir a saúde financeira do país. Passei a vida inteira a ter de responder à sinuosa perguntazinha: «Quer o preço com ou sem factura?». A dispensa de factura significava um ‘desconto’ capitoso em relação ao preço ‘legalizado’. 

Enquanto a vida comercial decorria nesta marmelada paralela, os trabalhadores independentes eram obrigados a passar recibo de todos os seus lavores e a declarar escrupulosamente tudo o que ganhavam. 

Em princípio, os trabalhadores por conta de outrem também – mas abundavam as empresas, públicas e privadas, em que o salário real era uma ficção pobrezinha, complementada por senhas disto e daquilo, e horas extraordinárias mais vastas do que os próprios dias, que não descontavam para os impostos nem para a segurança social. 

Ora sem impostos não há Estado Social. E a verdadezinha última é que ninguém, por mais liberal que seja, encara a vida sem um mínimo de Estado Social: saúde, educação, assistência social. Até porque já está provado que, sem estes condimentos, a existência fica muito perigosa. A miséria cria insegurança.

As pequenas empresas e as profissões liberais vêem-se aflitas para cobrar a quem lhes deve, depois de emitirem as facturas e de pagarem o correspondente IVA. 

Quem se atrasar um dia a pagar o imposto leva com os juros; já o Estado pode pagar quando muito bem lhe apetecer sem indemnizar ninguém. E continua a ser assim. 

Ainda há dias me contava um empresário transformado de pequeno em micro, desesperado, que passa semanas de tesouraria em tesouraria a ouvir a mesma desabusada resposta: «não há previsão de data para o pagamento». 

E um advogado dizia-me que não sabe o que mais fazer para que os clientes lhe paguem. «Talvez processá-los» – aventei eu, cândida. Tornou-me o causídico, suspirando: «Não adianta, porque eles aprenderam comigo os truques para adiar indefinidamente a resolução dos processos…». 

A obrigatoriedade de factura arrasta consigo a responsabilização. Não se trata, como apressada e complexadamente tem sido dito, de tornar os clientes ‘bufos’ do Estado, mas de passarmos a um regime de realidade que torne possível a ideia de justiça económica. 

Trata-se também, em última análise, de sabermos onde gastamos o quê, e de ficarmos certos de que todos contribuímos na mesma medida. Sem reciprocidade não há relação individual nem social.
A moralização das facturas é a primeira medida de reforma estrutural que vejo neste Governo – a única que não consiste em cortes e sacrifícios extremos para os mesmos e eternos mártires, ou em compassos de espera ruidosamente deficitários (RTP, TAP, BPN, etc). 

Tudo se paga. Todos temos de pagar a nossa parte. É simples e justo. Portugal precisa muito de simplicidade e justiça. 

IN "SOL"
26/02/13

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