28/03/2013

HELENA GARRIDO




A lição cipriota 
para banqueiros 
e depositantes

A solução encontrada para Chipre desenterra a possibilidade de falência dos bancos, que parecia colocada de parte desde o colapso da Lehman Brothers. Se queremos bancos privados, a disciplinadora ameaça de falência tem de existir. E os depositantes têm de estar mais atentos ao sítio onde colocam as suas poupanças. Como já aprenderam, em Portugal, os clientes do BPP e BPN.
No modelo a que se chegou na reunião do Eurogrupo de domingo, são os bancos que estavam praticamente falidos, o Bank of Cyprus e o Laiki, que suportam as perdas e não todos os bancos como inicialmente se previa. São os accionistas – que perdem tudo -, obrigacionistas – que são poucos - e parcialmente os depositantes com aplicações superiores a cem mil euros que pagam a factura do colapso daqueles dois bancos. No modelo anterior eram todos os depositantes de todos os bancos.

O processo de resgate de Chipre foi caótico, durou uns excessivos dez dias, quebrou tabus e reacendeu a fogueira da crise europeia, que anda a arder há quase quatro anos (os primeiros sinais de problemas na Grécia começaram em finais de 2009, quando o euro fez dez anos). A incerteza em relação ao futuro de Chipre na Zona Euro é ainda elevada e a crise europeia está, ainda, longe do seu fim.

Podemos até chegar ao fim desta história cipriota a dizer que "a terapia era óptima, mas lamentavelmente não salvou o doente", nem Chipre nem o próprio euro. Mas o modelo final do resgate merece ser elogiado, lamentando-se apenas que, no combate a esta crise, economistas e líderes políticos estejam num processo de aprendizagem pela prática.

O novo modelo de abordagem europeia aos problemas da banca ficou muito claro nas declarações do presidente do Eurogrupo à Reuters, esta segunda-feira, dia 25 de Março. "Se houver risco num banco, a nossa primeira questão deve ser: ‘Ok, o que é que vocês, no banco, estão a fazer em relação a isso? O que podem fazer para se recapitalizarem?’ Se o banco não o puder fazer, então vamos falar com os accionistas e os obrigacionistas, vamos pedir-lhes para contribuírem para recapitalizar o banco e, se necessário, aos detentores de depósitos não garantidos", ou seja, às poupanças acima dos 100 mil euros. Assim falou o ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselbloem.

Claro que as acções dos bancos caíram. A banca italiana e espanhola foram as que registaram maiores perdas. O que significa isso? Simplesmente que quem é dono de bancos pensa que está isento do risco de falência. Pensam hoje os banqueiros – ou pensavam até chegar a regra cipriota – que não estão sob a ameaça de perder tudo, como acontece com quem é dono de uma fábrica de automóveis, de uma petrolífera ou de uma rede social. Uma protecção do risco que ganharam com o cataclismo provocado pela Lehman Brothers e que colocou os políticos -, ou seja, a sociedade - ainda mais nas mãos dos banqueiros.

O presidente do Eurogrupo merece críticas pelo momento escolhido para dizer que os bancos também podem falir. Mas merece ser elogiado por nos revelar que quem quer mercado deve viver segundo as leis do mercado quando há lucros e quando há perdas. Não se pode criar um sector bancário que se apropria dos lucros e entrega os prejuízos aos contribuintes. Nem é assim que se protegem os banqueiros de si próprios, como houve quem o pedisse nesta crise financeira. E, se não queremos novas e mais violentas crises bancárias, a banca tem de ser disciplinada, tem de seguir as regras do mercado ou terá de ser nacionalizada.

Não temos a solução final para o poder que a banca tem, só pela natureza da sua actividade. O que se fez com os dois bancos cipriotas não se pode fazer com grandes bancos espanhóis, franceses, alemães ou italianos. Naqueles que são demasiado grandes para falir temos de colocar as nossas esperanças na eficácia dos mecanismos da supervisão europeia, que estão a ser construídos. Para os pequenos bancos está dado o aviso. Como avisados estão os depositantes. Todos, accionistas, obrigacionistas e depositantes têm a obrigação de cuidar das suas poupanças. Não esperem pela salvação dos contribuintes.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
26/03/13 

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