HOJE NO
"PÚBLICO"
O dobro da austeridade resultou em
quase o dobro dos défices previstos
Questionado por um jornalista sobre se reconhecia algum erro na forma como o Governo e a troika
definiram a estratégia de ajustamento para Portugal e a passaram à
prática, Vítor Gaspar não foi capaz de identificar um. Preferiu falar
antes de um "grande desapontamento": a subida do desemprego. Mas se há
coisa que é difícil ao olhar para os resultados da sétima avaliação da troika a Portugal, apresentados na sexta-feira, é deixar de ver erros, erros de previsão.
Depois de 18 dias de encontros e debates, Governo e troika apresentaram
aos portugueses um cenário totalmente diferente para a evolução da
economia e da política orçamental. Para a economia a mudança é, tal como
aconteceu nas avaliações anteriores, claramente para pior. A contracção
da economia neste ano será, em vez de 1% como estava previsto, de 2,3%,
uma previsão que ainda é pior do que os 1,9% que a Comissão Europeia,
um dos membros da troika tinha apresentado há apenas três
semanas atrás. Para 2014, continua agendado o crescimento, mas agora já
de apenas 0,6%, contra 1,2% esperados anteriormente. Como consequência, o
desemprego será mais elevado, chegando aos 19% no final deste ano.
Vítor Gaspar voltou a justificar a deterioração da conjuntura
exclusivamente com a redução verificada a partir do final do ano passado
na procura externa. No entanto, olhando para as novas previsões,
verifica-se que não serão apenas as exportações (crescimento de 0,8% em
2013, contra os 3,6% antes previstos) a apresentarem um desempenho pior.
O consumo privado vai cair 3,5% este ano, deixando para trás a anterior
previsão de 2,2%. E o investimento mantém uma queda acentuada de 7,6%,
não confirmando a descida de 4,2% que era prevista.
As novas metas
A conjuntura mais negativa forçou a troika a aceitar mudanças
significativas nas metas orçamentais. De tal forma que se ficou agora a
perceber que, apesar da dose de austeridade posta em prática durante os
últimos dois anos ter sido muito mais forte do que a prescrita no início
do programa, os défices orçamentais que serão atingidos vão ficar
distantes das metas traçadas.
De acordo com os números disponibilizados pelo ministro das Finanças na
sua apresentação, as medidas de consolidação orçamental (que incluem
subidas de impostos e cortes de salários e pensões, por exemplo)
executadas em 2012 e 2013 (os dois anos em que o Governo apresentou um
orçamento para a totalidade do ano) ascenderam a 15.400 milhões de
euros. Ou seja, um valor que é mais do dobro dos 7600 milhões de euros
de austeridade previstas no memorando inicial assinado com a troika.
No entanto, com as revisões agora acordadas, o objectivo para o défice
público deste ano passou para 5,5% do PIB, o que compara com a meta de
4,5% definida a partir de Setembro de 2012 e com os 3% projectados no
início do programa. Para 2014, aponta-se agora para um défice de 4%,
contra os 2,5% exigidos desde Setembro de 2012 até agora e os 2,3% do
programa inicial. O défice de 2012 também ficou claramente acima do
previsto, mas também pelo efeito de alterações impostas pelas
autoridades estatísticas a algumas operações.
Para explicar estas revisões tão profundas nos objectivos do défice -
que dão a Portugal mais tempo para consolidar as finanças públicas e que
surgem a par de um alongamento até 2015 da aplicação do pacote de
cortes nas despesas públicas - Vítor Gaspar assinalou novamente os
"reflexos significativos para Portugal" das novas perspectivas para a
economia europeia. E assinalou que o motivo para que as negociações com a
troika tivessem sido mais longas do que o habitual foi a dificuldade "encontrar o equilíbrio" entre duas questões fundamentais.
De um lado, o custo económico e social da consolidação orçamental, de
outro, a necessidade de efectuar um ajustamento orçamental para garantir
o acesso a financiamento e a sustentabilidade da dívida pública.
O ministro das Finanças insistiu ainda na ideia de que, para medir o
nível de esforço orçamental que está a ser feito pelo país, o indicador
mais usado deve ser, não o défice nominal, mas o défice estrutural, que,
destaca Vítor Gaspar, tem sido reduzido a um ritmo muito forte nos
últimos anos.
Os dados apresentados para este indicador (que não inclui receitas
extraordinárias e leva em conta os efeitos da conjuntura económica)
confirmam a existência de uma melhoria do saldo (de -8,8% em 2010 para
-3,3% em 2013), mas mostram também que nem nos saldos orçamentais
estruturais, Portugal se livrou de revisões em alta.
Para o saldo estrutural primário, por exemplo, previa-se no passado mês
de Outubro, que chegasse aos 2,2% em 2013, mas agora a aprevisão é
apenas de um saldo positivo de 1,1%.
Troika elogia
Apesar da revisão em alta dos objectivos do défice e da deterioração acentuada das condições económicas, a troika fez um comunicado bastante elogioso ao programa português, dizendo que a sua implementação "continua no bom caminho".
A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário
Internacional afirmam que "o objetivo estabelecido para o final de 2012
em matéria de défice orçamental foi cumprido, a estabilidade do setor
financeiro foi preservada e a execução de um vasto leque de reformas
estruturais está a avançar", salientando ainda que "o ajustamento
externo continua a exceder as expectativas".
A troika revela ainda que as receitas de privatizações vão ser
uma das formas encontradas pelo Governo para garantir que, apesar de os
défices serem mais elevados, não será preciso reforçar o envelope
financeiro previsto no programa. "As autoridades estão empenhadas em
cobrir as necessidades de financiamento suplementares resultantes dos
objetivos em matéria de défice orçamental revistos, incluindo através
das receitas das privatizações", afirma o comunicado da troika.
Apesar dos elogios, para que a avaliação seja considerada positiva e
seja dada autorização para a entrega de mais uma tranche do empréstimo
(de cerca de 2000 milhões de euros), a troika diz que irá ainda
esperar pela apresentação, até Maio, do relatório com a estratégia
orçamental detalhada de médio prazo, o documento onde o Governo dará a
conhecer quais as medidas de redução permanente da despesa que irão ser
implementadas em 2013, 2014 e 2015.
* Estamos lixados à espera da falha absoluta de Vítor Gaspar.
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