27/03/2013

ANTÓNIO MARINHO E PINTO

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Direitos Humanos (1)

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Uma das formas mais chocantes de violação dos Direitos Humanos é a que se materializa no crime de violência doméstica. E é chocante, precisamente porque ao longo dos séculos contou sempre com o silêncio das vítimas e sobretudo com um ambiente moral, religioso e cultural que favorecia os agressores em detrimento das vítimas. «Entre marido e mulher não metas a colher» e «o homem pode não saber por que lhe bate mas a mulher sabe sempre por que é que apanha» são alguns dos estereótipos que ainda hoje subsistem como resíduos dessa subcultura machista e violenta. A própria religião cristã, sobretudo na vertente do catolicismo, não está isenta de culpas, não só pelo papel subalterno que confere à mulher no seu funcionamento interno, mas sobretudo pela apologia que faz do sofrimento como forma de redenção, conduzindo a uma aceitação resignada da violência em vez de reclamar a sua punição pela justiça. Ainda me lembro de, na minha juventude, assistir a uma cerimónia de um casamento religioso durante a qual a nubente leu um texto do evangelho em que prometia obediência ao marido. Ela não prometeu respeito, nem sequer fidelidade, mas sim obediência.

Hoje, as coisas estão bastante mudadas no que respeita à violência sobre as mulheres. Estas conquistaram poder nas sociedades modernas e fizeram ouvir a sua voz, reclamando a igualdade a que têm direito, denunciando os crimes que ficavam cobertos pelo espesso manto do silêncio cúmplice e exigindo a sua punição. Mas a sua voz pública teve sobretudo o efeito de mudar os padrões culturais e fazer com que hoje, a violência (física e psicológica) sobre as mulheres seja objeto de um generalizado juízo de censura pela sociedade. Os agressores são cobardes e frustrados, que não conseguem sublimar a sua pequenez moral de outra forma que não seja agredindo as pessoas que lhes estão próximas. Poder dizer isto publicamente e, sobretudo, fazer com que isto seja aceite pela sociedade em geral é a principal vitória das mulheres ao longo dos últimos milénios.

Mas não é só a violência sobre as mulheres que esgota o crime de violência doméstica. As crianças são também vítimas desse fenómeno, com a agravante de que elas não têm voz e, pior do que isso, muitas vezes, são agredidas e violentadas por aqueles que as representam legalmente, ou seja, por quem, em face da lei, fala em nome delas. Na verdade são, em regra, os próprios progenitores que cometem as piores formas de agressão contra as crianças. A violência sobre crianças e adolescentes, sobretudo nas suas vertentes de agressões e abusos sexuais, é especialmente repugnante, dada a especial vulnerabilidade das vítimas. Daí que esta chaga social deva ser encarada como uma prioridade pela sociedade e combatida com toda a firmeza, não só por quem tem esse dever funcional (o Ministério Público), mas também por todos nós e muito especialmente pelos médicos, professores, educadores infantis, enfermeiros, etc.. As crianças não têm voz e, por isso, é um incontornável imperativo moral de cada um de nós não ficarmos calados perante esse tipo de crimes e comunicarmos rapidamente às autoridades qualquer sinal revelador da sua existência.

Finalmente, outra forma igualmente repugnante de violência é a que se exerce sobre os idosos. As casas de hoje não são construídas para albergar três gerações e, por isso, há idosos que são violentados para saírem de suas casas e irem para lares da terceira idade, os quais, em muitos casos, não passam de meros depósitos de pessoas condenadas a morrerem na maior solidão. Tal como as crianças, estas vítimas também não se queixam ou fazem-no muito raramente e com muitos custos psicológicos. A esmagadora maioria delas prefere sofrer em silêncio a ir para os tribunais acusar os agressores que, não raro, são os seus descendentes mais próximos - filhos e netos.

Mais do que em qualquer outro crime, a violência doméstica - seja contra as mulheres, seja contra as crianças, seja contra os idosos - combate-se sobretudo agindo sobre as suas causas, protegendo as vítimas e criando as condições para que possam libertar-se das amarras da dependência que as ligam aos agressores.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
25/03/13

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