28/02/2013

RAQUEL GONÇALVES

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Isto é um Homem

"Não vale a pena ladrar, porque ainda não aprenderam a ser cachorros". A frase foi proferida, sexta-feira, pelo presidente do Governo Regional ao povo que se manifestava num evento oficial a que presidiu na Nazaré. 

Sim, foi dirigida a esse mesmo povo a quem Jardim já chamou de superior. A Madeira será o que os madeirenses quiserem, disse também o mesmo Jardim por diversas vezes. Agora entendemos que este povo superior e aparentemente dono do seu destino só o é se não ladrar ao dono, porque é assim que Alberto João Jardim se sente perante quem o elegeu durante todos estes anos. O povo só vale se for ordeiro, obediente, acéfalo, curvado perante o poder, escravo.

Na minha modesta opinião, e se me for permitido ladrar um pouco por escrito, o presidente do Governo Regional enganou-se nesta sua apreciação à aprendizagem do povo. Usando as palavras do presidente, o povo foi, durante todos estes anos, "cachorro", ou, porque prefiro e é menos agressivo, cão fiel. Só um cão fiel permite tudo ao dono. Só um cão fiel nunca questiona a qualidade do dono, as suas decisões, os seus desmanados. Só um cão fiel volta a obedecer mesmo quando é amarrado, agredido, castigado. São tudo qualidades nobres de um cão, as quais muito apreciamos e que, inclusive, deram ao animal a classificação de melhor amigo do Homem, apesar de sabermos que, nesta equação, é sempre o cão que fica a perder.

Por isso, senhor presidente, aquilo que viu na Nazaré não foi um cão, foi um Homem. Este povo, pelas piores razões, está finalmente a aprender essa sua humana condição, aquela que reage perante a agressão, aquela que se indigna, aquela que pensa e se manifesta.
O que viu, senhor presidente, foi um Homem por mais estranheza que isso lhe provoque. Foi um Homem, foram vários homens, que se ergueram de indignação por todas as culpas que continua a dizer que não são suas. Pelo desemprego, pela miséria, pela desesperança, pela raiva, pelos filhos que só se alimentam na escola, pelas casas que já não conseguem pagar, pela honra que já não conseguem manter.

Um cão continuaria a abanar a cauda. Um Homem ergue-se nas duas pernas e fala, usa essa capacidade surpreendente e magnifica que é a linguagem. Essa que serve para a poesia e para o insulto, é verdade, mas que é nossa, qualidade de homens e mulheres. Os cães só falam nas fábulas e aqui, ao que parece, já ninguém vai em histórias.

Um Homem não ladra. Até poderia, mas não o faz. Isto é um Homem.


IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
24/02/13

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