20/02/2013

MARGARIDA BOTELHO

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Um num milhão e meio

“É fotógrafo, está desempregado e foi obrigado a vender o seu material fotográfico para fazer face às despesas. Chama-se Daniel Rodrigues e venceu o primeiro prémio do World Press Photo, na categoria Daily Life” – começa assim a notícia do PÚBLICO online sobre um caso que devia fazer corar de vergonha o Governo português.

Não apenas porque o caso de Daniel Rodrigues, de 25 anos, é uma triste e óbvia situação de desperdício das capacidades de um jovem num país que precisa como de pão para a boca de gente capaz, criativa e produtiva. Devia fazer corar de vergonha o Governo e os que assinaram com as troikas o memorando que nos agride todos os dias, porque o caso de Daniel Rodrigues é o de um desempregado entre um milhão e meio de outros desempregados em Portugal. É um dos 40% de jovens com menos de 25 anos que estão desempregados no nosso país. Nem todos poderiam ganhar um prémio tão prestigiado internacionalmente como Daniel, mas todos juntos formam o maior libelo acusatório contra esta política.

Desde que entrou em vigor o Pacto de Agressão assinado entre FMI, BCE, União Europeia, PS, PSD e CDS, foram destruídos mais de 400 mil postos de trabalho. As estatísticas do desemprego batem todos os recordes. E a estes números há que somar, pelo menos, os 250 mil portugueses forçados a emigrar por não terem saída no seu país. O Governo e a sua política condenam ao desemprego e à pobreza milhões de pessoas.

Dirão os acólitos das troikas que a crise é uma oportunidade. Dirão os fantasistas que o problema está na rigidez do mercado de trabalho e da legislação laboral. Dirão os mais fanáticos que o que faz falta é reduzir mais ainda o valor e o tempo do subsídio de desemprego, para incentivar os preguiçosos e pouco empreendedores a irem trabalhar. Argumentos idiotas num país com um milhão e meio de desempregados em sentido lato e em que mais de metade já nem sequer tem acesso a nenhuma prestação social. Argumentos mentirosos de quem opta por fazer parte do minoria que prefere ser parte activa na propaganda do Governo e das troikas, em vez de enfrentar a realidade e defender os interesses do seu povo e do seu país.

A realidade é outra e é bem distinta. Em Portugal, despede-se muito e facilmente – basta ver noticiários ou consultar com regularidade a informação disponibilizada pelo movimento sindical unitário. O problema do país não é a rigidez do mercado de trabalho. Pelo contrário: a precariedade é uma praga que alastra a todos os sectores de actividade, a todas as gerações de trabalhadores e que assume as formas mais abjectas – gente “contratada” à hora, ao dia, à semana ou ao mês, sem vínculo, a recibo verde, na mais completa ilegalidade.

O facto de um quarto da população activa estar no desemprego não é só consequência da crise. É consequência de décadas de política de direita e de destruição do aparelho produtivo do país. Mas também é causa de mais recessão e mais desemprego. É um brutal desaproveitamento do maior recurso que o país tem para se desenvolver: os trabalhadores, com as suas experiências, qualificações e aptidões diversas. Não haverá desenvolvimento do país sem criação de emprego.

Este Governo, como todos os que se submetem ao que assinaram com as troikas, não está em condições de tomar as medidas que se impõem. Como referiu o Comité Central do PCP reunido no domingo (17 de Fevereiro), este é “um rumo de desastre a que é preciso pôr termo”. E, quanto mais depressa, melhor. Uma das palavras de ordem mais ouvidas no sábado em todo o país, nas manifestações convocadas pela CGTP-IN que juntaram dezenas e dezenas de milhares de pessoas em 24 cidades de todo o país, foi “está na hora do Governo se ir embora”. Sem querer, o World Press Photo acaba por confirmar essa urgência.

Álvaro Cunhal, cujo centenário do nascimento se assinala este ano, disse em tempos uma frase de extraordinária actualidade: “Tomemos nas nossas mãos os destinos das nossas vidas”. O que o nosso país precisa é que o milhão e meio de desempregados, que os trabalhadores que viram os seus salários cortados, os jovens a quem querem roubar o futuro, tomem nas suas mãos as suas vidas e imponham a ruptura com estas políticas.


Membro da Comissão Política do 
Comité Central do PCP

IN "PÚBLICO"
18/02/13 

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