02/01/2013

VICENTE JORGE SILVA

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 Anos horríveis

Gostaria de desejar ao leitor um bom ano novo, mas receio que, desta vez, estivesse a cometer um acto cínico de humor negro. Com efeito, se 2012 foi o ano horrível que se sabe, 2013 promete ser ainda bem pior, pelo menos no que se refere a Portugal ou à Europa – e esperando-se que não forçosamente ao resto do mundo. 

Não é a primeira vez que o meu optimismo natural se confronta com sentimentos negativos, mas nunca como agora me vi envolvido por um ambiente colectivo tão sombrio e para o qual não vislumbro, a curto ou médio prazo, perspectivas de saída.

Não sabemos apenas que 2013 será, em Portugal, um ano mais horrível do que 2012. Sabemos também que faltam, como nunca antes aconteceu, motivos para acreditar na mera racionalidade de quem nos governa ou em alternativas fortes e duradouras para o bloqueio imposto pelo poder dos fortes e a impotência dos fracos.
Claro que há sempre a possibilidade de despertarmos pela insubmissão e a revolta – mas a sua concretização por meios pacíficos parece, dia a dia, mais vulnerável, e o recurso à violência comporta uma maldição de que a História já nos revelou, ciclicamente, o preço terrível.

Depois de já ter perdido a honra e a vergonha, como escrevi na última crónica, Passos Coelho não receou dirigir-se novamente aos seus compatriotas como se fossem imbecis inveterados. Ou então, porque ele próprio se sente tão confundido e desesperado na sua incongruência que já perdeu totalmente o controlo das palavras escolhidas para uma mensagem de Natal. 

Enquanto, por um lado, vem pregando a necessidade urgente de refundação do Estado – seja lá o que isso for… – o primeiro-ministro não temeu garantir na sua mensagem natalícia que «a esmagadora maioria das medidas que faziam parte» do chamado memorando de entendimento com a troika «está já concluída ou em fase de conclusão». Então como se explica que fale em «refundação» – ou seja, fundar de novo – se a «esmagadora» maioria das reformas estão concluídas ou em vias disso? Refundar, afinal, o quê? 

Mas Passos Coelho não recua perante os mais espalhafatosos contrasensos. No último debate quinzenal no Parlamento, afirmou que 2012 fora o pior ano desde o 25 de Abril, mas também «um ano de reformas como o país nunca tinha assistido»! Já 2013, apesar do agravamento esmagador da carga fiscal – como o país não conheceu desde 1974 – seria «um ano de estabilização e um ano de viragem», antecedendo o miraculoso «regresso ao crescimento» em 2014. Para quem vive e observa a realidade portuguesa, não será tudo isto simplesmente delirante?

Mas o primeiro-ministro arrisca-se também a contradizer o seu ministro das Finanças que, literalmente electrocutado pelos sucessivos falhanços das suas previsões, já anunciou desistir de novos palpites devido à ‘incerteza’ da conjuntura internacional.

No entanto, através do Banco de Portugal e da própria troika, tem-se querido fazer passar a ideia de que, apesar da dureza inédita das condições de vida impostas aos portugueses (é isso a que chamam «reformas»), o país tem caminhado na direcção certa para conseguir o ajustamento financeiro. Assim, o progressivo descontrolo das contas públicas e a impossibilidade de atingir os défices acordados com os credores internacionais dentro dos prazos anunciados não seriam necessariamente contraditórios com o sucesso do ajustamento. Haverá alguém que compreenda a racionalidade de tudo isto? Ou a lógica financeira é, pura e simplesmente, uma batata?

Financeiramente, vamos cumprindo como ‘bons alunos’ aquilo a que fomos obrigados, embora com contas caóticas e prazos descontrolados. O que importa são as aparências, é ser-se submisso e aceitar os ditames da sra. Merkel ou, já agora, dos próprios socialistas franceses que parecem querer dar razão àqueles que viam em Hollande um homem das sínteses e compromissos redondos e predisposto a recuar na primeira ocasião relativamente às promessas eleitorais (o que explica a sua política ziguezagueante que o eleitorado já castiga com um declínio vertiginoso de popularidade). 

O Presidente francês começara por exigir a Merkel um pacto de crescimento para contrabalançar o pacto orçamental e, à primeira vista, a chanceler cedeu a essas pretensões que tinham o apoio da Itália e da Espanha (o ‘bom aluno’ ficou calado…). Mas assim que o Parlamento francês aprovou o pacto orçamental, o pacto de crescimento tornou-se uma mera flor de retórica para oferecer galantemente à sra. Merkel. 

Há um episódio célebre da mitologia que inspirou vários pintores famosos, o Rapto da Europa. 2012 e 2013 são os anos horríveis em que a Europa (não mitológica e prisioneira do poder germânico-financeiro) se viu raptada outra vez. E o pior pode estar prestes a acontecer, quando já for tarde para libertá-la e salvar o que resta de um mito. 

IN "SOL"
31/12/12

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