12/01/2013

PEDRO SOUSA CARVALHO




O sorriso de Carlos Moedas 

 É triste que a discussão sobre a reforma do Estado e sobre o relatório do FMI esteja reduzida ao sorriso de Carlos Moedas, ao esgar de Passos Coelho, ao franzir do sobrolho de António José Seguro ou ao morder da língua de Paulo Portas. 

É triste que a discussão sobre a reforma do Estado e sobre o relatório do FMI esteja reduzida ao sorriso de Carlos Moedas, ao esgar de Passos Coelho, ao franzir do sobrolho de António José Seguro ou ao morder da língua de Paulo Portas. 
A divulgação do relatório do FMI está a provocar uma onda de indignação, até do lado do PSD, e ontem o presidente da Câmara de Cascais e dirigente social-democrata, Carlos Carreiras, veio marcar o nível da discussão: "Eu, enquanto social-democrata, não gostei de ver um secretário de Estado de um Governo liderado pelo meu partido... e confesso que, do ponto de vista simbólico, também me chocou porque havia um sorriso nos lábios". Carlos Moedas, que é um tecnocrata, se calhar ficou embevecido e deslumbrado com tantos números, gráficos e tabelas do relatório do FMI. 

E se o relatório trouxesse uma folha de Excel anexada e um simulador ‘online' seria um portento e um prodígio. Mas a fisionomia de Moedas pouco interessa aos portugueses que estão assustados com o que aí vem. O que interessa é que Moedas tem razão pelo menos numa coisa: o relatório do FMI, independentemente de algumas omissões e um ou outro dado desactualizado, é um autêntico compêndio sobre como se pode cortar nas despesas do Estado e serve para aquilo que foi feito, para lançar a discussão sobre a reforma do Estado. 

O erro de Moedas, que para político tem pouco jeito, foi não ter explicado de forma clara aos portugueses que a catrefada de medidas propostas pelo FMI não é para ser executada na íntegra. Aliás, se somarmos o impacto de todos as propostas do FMI chegaríamos a um corte de despesa exorbitante de cerca de dez mil milhões de euros, quando o Governo já disse que a intenção é apresentar à ‘troika' um plano de redução permanente de despesa de quatro mil milhões de euros. 

O segundo erro do Governo neste processo - este de Passos Coelho e não de Carlos Moedas - foi o de ainda não ter explicado aos portugueses por que razão quer cortar quatro mil milhões. Por que não oito mil milhões? Por que não dois euros ou cinco cêntimos? E a explicação é relativamente simples: todas as medidas de monta que o Governo tomou até agora para cortar o défice são medidas temporárias e que, se somadas, vão dar, mais coisa, menos coisa, quatro mil milhões de euros: a sobretaxa de IRS, a taxa adicional de solidariedade, o corte dos salários na Função Pública, a Contribuição Extraordinária de Solidariedade e o corte de subsídios na Função Pública e nos pensionistas. Quando estas medidas forem revertidas, nem que seja por imposição do Tribunal Constitucional, abre-se uma cratera no défice e toda a austeridade que sofremos até agora terá sido em vão. 

Não é demais recordar que o Constitucional já chumbou uma vez o corte dos subsídios e só aceitou o corte de salários no Estado com a justificação de ser uma medida temporária. E ainda falta dizer de sua justiça sobre as normas mais polémicas do Orçamento deste ano. Mas Passos não dá esta explicação por uma razão simples. Se o disser assim, preto no branco, as pessoas vão perguntar, e com razão, o que andou o Governo a fazer durante este tempo todo, desde que ganhou as eleições em Junho de 2011? 

Por que é que fez 80% da consolidação do lado da receita, e só agora se lembrou dos cortes estruturais na despesa? Assumir este erro seria o primeiro passo para lançar uma discussão séria sobre a reforma do Estado que é necessária e fundamental; e até seria bem acolhida pelos portugueses se lhes fosse explicado de uma forma honesta que a contrapartida poderá ser um alívio da carga fiscal que já roça um nível confiscatório. E nessa altura estaríamos se calhar todos mais disponíveis para debater essa reforma. Até lá, vamo-nos entretendo a interpretar o sorriso de Carlos Moedas. 

Será que foi um sorriso amarelo? Foi sorriso de resignação? Foi irónico? Ou será que foi um sorriso de nervosismo de quem está a perder o País e o controlo da situação? 

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
11/01/13

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