28/01/2013

Bjørn Lomborg

.



A história de dois tratados 

Sim, precisamos de resolver as alterações climáticas – e de forma inteligente. Mas as negociações de Doha sobre o clima foram sempre um beco sem saída. Se queremos mesmo ajudar os mais pobres, devemos levar a sério as outras negociações de Doha. 

O mundo voltou a não conseguir alcançar um acordo sólido sobre o clima, desta vez nas recentes negociações em Doha. O leitor pode não se ter apercebido, porque, ao contrário do que aconteceu em outros anos, a maioria dos meios de comunicação social, simplesmente, ignoraram as negociações devido a um desinteresse cada vez maior da opinião pública.

As reuniões de Doha são a continuação de 20 anos de negociações falhadas, desde a primeira Cimeira da Terra no Rio de Janeiro em 1992. Nessa altura, os países comprometeram-se a reduzir, até ao ano 2000, as emissões de gases com efeito de estufa para os níveis de 1990; os países da OCDE cortaram as emissões em aproximadamente 9%. O Protocolo de Quioto de 1998, em grande parte, falhou, e os esforços para salvar o mundo na Cimeira de Copenhaga de 2009 colapsaram de forma espectacular.

Até agora, as emissões mundiais continuam a aumentar – e a um ritmo acelerado. Em 2011, as emissões foram 50% mais elevadas do que em 1990. Os últimos 20 anos de negociações reduziram esse aumento em apenas meio ponto percentual.

Assumindo, com algum optimismo, que esta redução será mantida ao longo deste século, isso representa uma diminuição do aumento da temperatura em metade de um centésimo de 1ºC em 2100. O nível das águas do mar irá subir cerca de um milímetro menos. Estas mudanças não serão mensuráveis nem no espaço de 100 anos.

O custo de alcançar estes resultados decepcionantes deverá variar entre 20 a 30 mil milhões de dólares por ano – em grande parte, crescimento económico perdido devido ao uso forçado de uma energia mais cara. Os benefícios para a humanidade – medidos em termos de cheias marginalmente mais pequenas ou de reduções quase insignificantes das ondas de calor – totalizaram mil milhões de dólares por ano. Assim, cada dólar gasto em políticas climáticas produziu um centavo de benefício.

Chegou a hora de mudar de rumo. Há formas mais inteligentes de resolver o aquecimento global, como por exemplo, investir na inovação para reduzir os preços das energias alternativas. Infelizmente, estas medidas não são promovidas nas negociações sobre o clima das Nações Unidas.

Mas, apesar de ser necessário combater as alterações climáticas, importa recordar as nossas prioridades. Como sempre, uma vaga de relatórios alarmantes sobre as alterações climáticas tentou (mas falhou) aumentar o interesse em torno da reunião de Doha.

O Banco Mundial contrariou a habitual tendência para publicar relatórios cautelosos e divulgou o alarmista Turn Down the Heat da autoria de William Hare, director durante muito tempo da política climática da Greenpeace. No seu lançamento, o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, afirmou: "Nunca conseguiremos acabar com a pobreza se não resolvermos as alterações climáticas".

A sério? Até agora, as políticas climáticas provaram ser uma forma extremamente cara de ajudar muito pouco – e num futuro muito distante. Isto é particularmente verdade para as zonas mais pobres do mundo. Devíamos, talvez, começar a pensar nas outras negociações de Doha, que começaram há 11 anos, sobre comércio livre e que podem ajudar muito mais os mais pobres.

Modelos do Banco Mundial mostram que mesmo o acordo menos ambicioso para liberalizar o comércio e reduzir os subsídios à agricultura podem gerar importantes benefícios. Segundo o argumento clássico a favor do comércio livre, a especialização e troca beneficia todas as partes porque os bens são produzidos nos melhores locais. Os modelos do Banco Mundial mostram que benefício estatístico poderia aumentar, todos os anos, o PIB mundial em várias centenas de milhões de dólares até ao final da década – sendo que deste valor 50 mil milhões de dólares ocorreria nos países em desenvolvimento. No final do século, o benefício anual chegaria a 1,5 biliões de dólares, dos quais metade acabaria no mundo em desenvolvimento.

Mas, nas últimas duas décadas, um número crescente de estudos tem demostrado que este é apenas uma pequena parte do argumento. A história mostra que as economias abertas crescem mais rapidamente do que as outras. Os exemplos incluem a Coreia do Sul desde 1965, o Chile desde 1974 e a Índia desde 1991; todas estas economias registaram taxas de crescimento mais elevadas após a liberalização da economia.

A mesma mensagem chega-nos de modelos de equilíbrio geral da economia global: mesmo um comércio moderadamente mais livre ajuda os mercados a serem mais eficientes e as cadeias de distribuição a serem mais integradas e a transferir conhecimentos de forma mais fácil, o que impulsiona a inovação. No final, este benefício dinâmico aumenta a taxa de crescimento do PIB.

Numa recente revisão da literatura económica um dos principais autores de modelos do Banco Mundial, o professor Kym Anderson, mostrou que os benefícios de longo prazo de um sucesso – mesmo que moderado – das negociações de Doha seriam imensos. O PIB mundial em 2020 seria cerca de 5 biliões de dólares superior ao que seria na ausência de um acordo, dos quais 3 biliões de dólares iriam para o mundo em desenvolvimento. No final do século, taxas de crescimento ligeiramente mais elevadas teriam produzido um aumento acumulado de rendimentos que superaria os 100 biliões de dólares por ano, a sua maioria nos países em desenvolvimento.

Nessa altura, os benefícios do comércio livre teriam impulsionado o PIB dos países em desenvolvimento. Os custos totais, em grande parte destinados a libertar os agricultores dos países desenvolvidos dos subsídios, seriam 10 mil vezes inferior, cerca de 50 mil milhões de dólares por ano durante uma década ou duas.

Esta questão é importante não apenas por causa do dinheiro. O comércio livre irá permitir que mais pessoas escapem à pobreza e tenham acesso a alimentos e água potável. Irá aumentar a educação e os cuidados de saúde. Tornará as sociedades mais resistentes a cheias e furacões. E, com rendimentos mais elevados, mais pessoas poderão permitir-se o luxo de cuidar do ambiente. Em resumo, contribuirá para um mundo melhor.

Mesmo que as negociações de Doha sobre o clima tivessem terminado com um resultado muito optimista, este iria custar cerca de 500 mil milhões de dólares por ano. Um acordo modesto nas negociações de Doha sobre o comércio livre poderia ajudar muito mais, mais cedo e com menos custos as regiões mais pobres do planeta.

Sim, precisamos de resolver as alterações climáticas – e de forma inteligente. Mas as negociações de Doha sobre o clima foram sempre um beco sem saída. Se queremos mesmo ajudar os mais pobres, devemos levar a sério as outras negociações de Doha.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2013

Tradução: Ana Luísa Marques

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
27/01/13

Sem comentários:

Enviar um comentário