09/12/2012

LEONÍDIO PAULO FERREIRA

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Um novo faraó é uma maldição 

Os faraós são mais antigos do que as pirâmides, mas o seu tempo acabou há muito e Mohamed Morsi devia ser o primeiro a saber. Até porque paira uma maldição: Alexandre fez-se coroar pelos sacerdotes egípcios e acabou por morrer aos 32 anos abandonado pelos soldados macedónios; Marco António suicidou-se e os seus filhos com Cleópatra desfilaram em Roma como troféus; o albanês Muhammad Ali fundou a dinastia que devolveu a independência ao país, mas acabaria exilada.

Não se pense que o atual Presidente está a salvo só porque estes desgraçados eram estrangeiros. Também os modernos faraós, todos de sangue egípcio, acabaram mal. Nasser continua um herói para as massas árabes, mas quando morreu tinha visto o seu exército derrotado na Guerra dos Seis Dias. Sadat negociou a paz com Israel e acabou assassinado. Mubarak, todo-poderoso três décadas, acabou condenado a prisão perpétua.

Morsi, um engenheiro de 60 anos, prometia ser diferente. Venceu as primeiras presidenciais livres do Egito, forçou os generais a desistir da tutela sobre o poder político, provou que o país continua influente ao promover a trégua entre o Hamas e Israel. Sobretudo encarnava a conversão à democracia por parte dos Irmãos Muçulmanos, cujo historial de combate à ditadura e trabalho social merece respeito.

Mas ao declarar-se acima da justiça e impondo uma Constituição que desagrada tanto aos liberais e laicos como à minoria cristã (um décimo dos 82 milhões de egípcios), Morsi revela estar a sofrer a tentação do faraó, a tal que costuma acabar em maldição. Porque está provado que o Egito precisa de tudo menos de um novo monarca absoluto, mesmo que disfarçado sob as cores da república. E Morsi, que até se doutorou nos Estados Unidos, podia imitar o Ocidente não só pelo espírito científico (que admira) como pelos valores sociais e políticos (que critica).

Com um em cada quatro árabes a ser egípcio, o Cairo é a sede óbvia da Liga Árabe. E de nenhum país árabe saem tantos livros ou filmes como do Egito. Hoje conhecida como palco de manifestações, a Praça Tahrir já foi sinónimo de cafés onde a intelectualidade se reunia.

Mas de nada tem servido ao Egito ser um colosso cultural. Mesmo o estatuto de potência militar pouco mais alimenta do que o orgulho de uma civilização com cinco mil anos. É que a economia revela-se minúscula, e se o Nilo continua uma bênção, as areias egípcias não foram bafejadas com petróleo, pelo que há muito a fazer para se obter riqueza.

O desafio do governante, chame-se Morsi ou não, tem de ser construir uma nação próspera, capaz de tirar o melhor do génio egípcio. Isso exige a sociedade plural que reclamavam em fevereiro de 2011 os manifestantes que na Praça Tahrir pediam a queda de Mubarak. Porque se há uma maldição sobre quem se comporta como faraó, um novo faraó promete ser uma maldição para os egípcios.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
03/12/12

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