20/12/2012

ANNE-MARIE SLAUGHTER

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A falésia fiscal 
     e a política externa 
                                dos EUA 

O mundo deveria preocupar-se. A possibilidade de que o Presidente Barack Obama e os republicanos no Congresso não atinjam um compromisso, antes que profundos e obrigatórios cortes da despesa e aumentos dos impostos entrem em efeito no dia 1 de Janeiro, é bem real. Os mercados globais estão bem conscientes do perigo dos Estados Unidos caírem da “falésia fiscal”, e observam nervosamente. Sabem que este resultado pode bem enviar os EUA – e o mundo – de volta à recessão.


Os ministros dos negócios estrangeiros em todo o mundo deveriam estar igualmente nervosos. A não ser que os EUA ponham ordem nos seus assuntos fiscais domésticos, serão obrigados a abdicar da liderança num largo espectro de assuntos globais críticos.

No curto prazo, a Síria e os seus vizinhos já estão a pagar o preço da incapacidade da América de se focar em algo para além da política nacional desde a reeleição de Obama. No meu ponto de vista, a crise Síria encontra-se num ponto de viragem: embora seja agora visível que a oposição acabará por ganhar e que o Presidente Bashar al-Assad irá cair, a duração da fase final do jogo será um elemento-chave que determinará quem na verdade tomará o poder e em que termos ocorrerá essa tomada.

A implosão da Síria, e o caos e extremismo que provavelmente aí germinarão, ameaçarão todo o Médio Oriente: a estabilidade de Líbano, Jordânia, Turquia, Iraque, Gaza, Cisjordânia, Israel, Irão e Arábia Saudita está em perigo. Mas nem sequer se sabe quem sucederá a Hillary Clinton como secretário de Estado dos EUA quando o segundo mandato de Obama começar formalmente em Janeiro, ou quem ingressará na equipa de segurança da Casa Branca.

No médio prazo, abundam no mundo tensões e crises potenciais cuja resolução certamente carece da liderança dos EUA. Como os acontecimentos das últimas duas semanas no Egipto demonstraram de modo bastante nítido, em muitos países o despertar árabe está apenas no seu primeiro acto.

Na verdade, a democracia está frágil, na melhor das hipóteses, em toda a África do Norte; e, no Médio Oriente, a Jordânia, os territórios Palestinianos, o Koweit e a Arábia Saudita só agora começaram a sentir os efeitos da onda que varre a região. O Bahrein permanece um foco de conflito; o Iraque é profundamente instável; e o conflito latente entre o Irão e Israel pode explodir a qualquer altura. Mesmo quando os EUA não estão na linha da frente, têm desempenhado um papel vital na diplomacia de bastidores, instigando rivais reticentes à aproximação e à criação de uma oposição unida, e trabalhando com líderes regionais como a Turquia, o Egipto e a Arábia Saudita para arbitrar compromissos.

Na Ásia, os EUA têm desempenhado um papel similar ao forçar a resolução multilateral de perigosas disputas bilaterais, entre a China e os seus muitos vizinhos, sobre territórios no Mar da China Meridional e no Mar da China Oriental, enquanto restringem ao mesmo tempo os aliados dos EUA que poderiam de outro modo provocar crises. E, em grandes questões globais como as mudanças climáticas, o crime organizado, o comércio e a prevenção de atrocidades, a ausência dos EUA como catalisadores de políticas e negociadores activos será rápida e vivamente sentida.

Evitar este destino requer que os EUA se “reconstruam em casa,” como promete a Estratégia de Segurança Nacional de 2010 da administração Obama. Mas, se os políticos dos EUA passarem os próximos dois anos do mesmo modo que os últimos dois – juntando remendos políticos temporários enquanto evitam os temas mais difíceis que os eleitores e os mercados esperam que enfrentem –, a voz da América ouvir-se-á cada vez menos nas instituições e assuntos internacionais.

Igualmente preocupante é a perspectiva dos cortes transversais e profundos no orçamento de defesa dos EUA, numa altura em que muitas potências emergentes aumentam os seus gastos na defesa. Mesmo que muitos países possam não gostar das forças armadas dos EUA, a disponibilidade e as capacidades extraordinárias dos soldados, dos navios, da força aérea, e dos serviços de informações da América funcionam frequentemente como uma apólice de seguro global.

No longo prazo, o desafio é mais vago, mas mais profundo. Quanto mais tempo os EUA estiverem obcecados com a sua própria disfunção política e estagnação económica correspondente, menos capazes serão de envergar o manto da responsabilidade e da liderança globais.

Forças políticas abertamente isolacionistas, como o Tea Party e libertários como Ron Paul, fortalecer-se-ão. Uns EUA em recuo, por sua vez, garantirão a emergência do que o analista de política externa Ian Bremmer descreve como um “mundo G-Zero”, em que nenhum país acabará por assumir o comando e capitanear as coligações económicas e políticas necessárias à resolução de problemas colectivos.

Presidentes e secretários de Estado certamente tentarão fazê-lo individualmente. Mas, sem o apoio do Congresso, trarão cada vez menos recursos para a mesa de negociações e enfrentarão um crescente fosso de credibilidade quando tentarem negociar com outros países.

Os líderes globais podem fazer mais do que esperar e observar. Porque não lembrar aos políticos dos EUA as suas responsabilidades globais? Os líderes do G-7 ou do G-8 poderiam emitir uma declaração, por exemplo, instando os EUA para pôr ordem na sua casa fiscal. Os aliados da NATO poderiam fazer uma declaração similar. Na verdade, outras organizações regionais, tais como a União Africana ou a Liga Árabe, poderiam também fazer sentir o seu peso. Até os membros do G-20, se assim o quisessem, poderiam fazer uma declaração.

Claro que, quando pensamos no G-20, pensamos imediatamente quem, para além dos EUA, poderia organizar a emissão de uma tal declaração. Esse é precisamente o problema, e poderá tornar-se muito pior.

Professora em Princeton, ex-directora da planificação de políticas do Departamento de Estado dos EUA

Traduzido do inglês por António Chagas



IN "PÚBLICO"
18/12/12

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