23/11/2012

RUI TAVARES

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Provincianismo 
              entre gigantes

Não há provincianismo mais irritante, nem mais perigoso, do que o dos grandes centros, em particular os países grandes e os que se julgam grandes. 
Mais irritante porque o provincianismo dos pequenos meios reconhece-se; o dos grandes centros é cego perante si mesmo e impossível de extirpar.

Mais perigoso porquê? Porque julgando ver o mundo, não vê senão a sua barriga. Não reconhece a diferença nem os matizes, e aplica a mesma receita estupidamente em todo o lado. Temos exemplos. Nada foi mais letal nesta crise do que ter os problemas da zona euro, respeitantes a dezassete economias, discutidos entre Berlim-Paris e Paris-Berlim. Nas próximas semanas e meses, teremos outro grande momento do provincianismo entre gigantes: o orçamento da União, respeitante a vinte e sete países, discutido entre Londres-Berlim e Berlim-Londres.

Se um pequeno é obtuso e estreito de vistas, em geral, não prejudica a mais ninguém senão ele mesmo. Quando um grande é obtuso e estreito de vistas, prejudica ainda mais aos outros do que a ele, e nem disso se apercebe.

O provincianismo dos grandes acabou por fatalmente contaminar a visão da Europa sobre si mesma, e distorcer-lhe a visão sobre o resto do mundo. Liderada pelos grandes países, a Europa continua sem saber o que fazer das economias emergentes, sem entender que a ascensão dos outros deve ser vivida com naturalidade. Não é possível, nem é necessário ou saudável, que o Atlântico Norte, com apenas dezasseis por cento da população mundial, tenha sessenta por cento do PIB do planeta. E é necessário que a região da Ásia-Pacífico cresça para alimentar os três mil milhões de bocas (e mais ainda) que ali viverão nas próximas décadas. O crescimento da China e da Índia representam apenas um regresso à normalidade da economia global durante quase dois milénios, com exceção do par de séculos que nos precedeu.

Mas o provincianismo dos grandes europeus também se reflete na maneira como olham para o curto prazo e as pequenas distâncias. Embora tenham já aceitado que, em muito breve, a União vá ter um executivo eleito, é-lhes muito difícil aceitar que os candidatos a presidente da Comissão Europeia tenham de fazer campanha eleitoral em todos os estados-membros da União. Na próxima quinta-feira será votada no Parlamento Europeu uma emenda que propõe isso mesmo, e tem sido para já inexcedivelmente complicado explicar aos deputados dos grandes países por que é isso importante.

Talvez não o façam por mal; parece-lhes uma bizarria propor que um candidato a ser chefe do executivo de uma União com 27 países tenha de os visitar a todos e em cada um deles apresentar o seu programa eleitoral. Não vêem é claro, que caso contrário uma campanha se poderia concentrar em dois ou três países, e não entendem (pelo menos, não entendem à primeira) o que se perde com isso: ao apresentarem o seu programa em 27 países, os candidatos teriam de saber de que forma esse programa beneficiaria aquelas pessoas concretas, teriam de aprender e teriam de se comprometer com aqueles interesses e aquela maneira de ver o mundo.

Ou seja, teriam de superar a mentalidade mesquinha e tacanha a que injustamente chamamos provincianismo e que, a partir dos grandes centros, tem sido a tragédia da Europa atual.


Deputado independente  ao parlamento europeu, candidatura através do BE

IN "PÚBLICO"
21/11/12

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