01/11/2012

JOÃO CARDOSO ROSAS

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Tradutor automático 

O Governo diz agora que quer refundar o Memorando de Entendimento, ou melhor, alinhar o desejo dos portugueses em ter serviços sociais com a sua vontade de pagar impostos, ou seja, reformular as funções do Estado Social, por outras palavras, acabar com ele e expurgá-lo da Constituição – o que, aliás, está de acordo com o seu projecto ideológico. 

Isto é o que o Governo quer que se conclua. Só diz a primeira parte, para não ser acusado de nada. O Governo fala e o Povo que interprete. Mas a verdade é que o "New Speak" deste Governo não é particularmente complicado e, por isso, a tradução é automática.

Mas o tradutor automático com o qual cada português está naturalmente equipado à nascença e, sobretudo, depois de ouvir repetidamente os desconchavos com que é quotidianamente prendado por ministros com licenciaturas que não existem, primeiros-ministros que têm como referência filosófica livros que não existem, ‘compagnons de route' especializados em formação profissional para aeródromos e heliportos que também não existem, esse tradutor automático, dizia, é especialmente sofisticado e permite traduzir também o subtexto por detrás do texto já traduzido.

Por que razão vem o primeiro-ministro sugerir que temos de acabar com o Estado Social, ou algo parecido, precisamente neste momento? Por que não fez ele tão excelentes reflexões no início do seu mandato, quando falava noutra coisa muito diferente, isto é, no corte das "gorduras do Estado", e vem fazê-lo agora mais para o meio do mandato, ou quase no seu final, quando sabe que já não tem tempo nem credibilidade? 
O tradutor automático responde: quando o primeiro-ministro fala de refundação e reformulação, para sugerir extinção, está a transmitir o seguinte subtexto: "- Caros portugueses, eu falhei a estratégia no ano de 2012, falhei nas finanças e falhei na economia, não fui capaz de criar margem de manobra para uma nova política, sei que vou falhar outra vez em 2013 porque não fui capaz de antecipar, apesar de ter sido avisado, que as coisas iam correr tão mal. Por isso decidi agora repensar as funções do Estado. Esta refundação, a que cheguei depois de reflexão aturada, consiste na seguinte ideia: como tudo está a falhar e sei que vou ter de aumentar outra vez os impostos vou já avisando. Isto vai dar ainda mais para o torto, mas a culpa não é minha, é do Estado Social."

Assim fala o primeiro-ministro. O seu texto, depois de submetido à função mais simples do tradutor automático, aponta para o ataque directo ao Estado Social. Porém, após submissão à função mais complexa do subtexto, indica que vamos mesmo ter um novo aumento de impostos e, adivinhem, são os trabalhadores por conta de outrem quem o vai sofrer.


Professor Universitário

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
31/10/12

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