25/10/2012

SANDRA MAXIMIANO




 Um Nobel muito nobre

Num mercado, em geral, há quem venda e há quem compre. A interação entre a procura e a oferta determina os preços que compatibilizam interesses antagónicos dos consumidores e dos produtores. 

A ciência económica usa o rigor matemático como ferramenta primordial mas, acima de tudo, é uma ciência social ao serviço das pessoas. O prémio Nobel da Economia de 2012 deixa esta verdade bem clara ao galardoar conjuntamente Llyod Shapley e Alvin Roth pelo trabalho na área do "desenho de mercados", nos quais o dinheiro, enquanto moeda de troca, não existe. 

Num mercado, em geral, há quem venda e há quem compre. A interação entre a procura e a oferta determina os preços que compatibilizam interesses antagónicos dos consumidores e dos produtores. O preço é assim um mecanismo de estabilidade nos mercados. Mas nem em todos os mercados a transação monetária é viável. No mercado de trabalho, por exemplo, os trabalhadores procuram um emprego que melhor se adeque às suas qualificações e que esteja na sua sua área de residência. Os empregadores procuram quem melhor se adeque a determinadas funções. Mas um emprego não está à venda. Outro exemplo semelhante é a colocação de estudantes no ensino superior. As faculdades têm vagas mas a sociedade não considera eticamente correcto vender essas vagas a alunos que possam pagar mais. Como é que se pode então garantir uma afetação eficiente, quer de trabalhadores a postos de trabalho, quer de estudantes a Universidades? Por outras palavras, como é que se garante um sistema de afetação estável, onde a possibilidade de permutas não crie nenhum bem-estar adicional porque a afetação alcançada é a mais eficiente possível? 

Shapley, em co-autoria com David Gale, criou um algoritmo de escolha que dá resposta a estas perguntas. Considere-se, por exemplo, que alguns recém-licenciados recebem várias propostas de trabalho enquanto outros não recebem qualquer proposta. O algoritmo mostra que em vez de se aceitar a melhor proposta, os indivíduos devem apenas rejeitar as propostas restantes e deferir no tempo a aceitação da proposta que "têm em cima da mesa", já que há a possibilidade de haver uma melhor combinação trabalhador-empresa, nomeadamente com uma empresa que viu a sua proposta inicialmente rejeitada. 

Mas, o Nobel não premiou apenas a genialidade de um modelo matemático. Até porque na prática nada garante que os modelos funcionem como a teoria prevê. Al Roth testou o algoritmo de Shapley-Gale usando métodos experimentais e, provando a sua eficácia, tem o mérito de o aplicar a questões reais, nomeadamente na afetação eficiente quer de médicos a hospitais, quer de crianças a escolas públicas. Estes sistemas são atualmente amplamente usados, nas cidades norte-americanas de Boston e Nova Iorque. 

Nesta linha, é de especial destaque o mais recente trabalho de Al Roth: a criação de um mercado para a doação de rins, mercado este que não funciona a dinheiro mas antes se baseia apenas no altruísmo e num algoritmo de afetação entre dadores e doentes. Suponha, por exemplo, que o seu parceiro ou parceira precisa de um transplante de rim para sobreviver e está disposto ou disposta a ser dador ou dadora, mas a compatibilidade é inexistente ou fraca. Através de um mercado de troca, os centros de transplante conseguem que as doações se efetuem, já que cada doente traz consigo um dador que poderá ser compatível com o seu ou a sua parceira. Al Roth cria assim um mercado eficiente e que salva vidas. Até Fevereiro deste ano, 30 transplantes foram já feitos, representando uma redução nas despesas em hemodiálise entre 15 a 30 milhões de dólares (cada transplante custa em média 150 mil dólares). Há ainda outros ganhos não contabilizados, já que muitos indivíduos deixam de trabalhar para cuidar, em regime domiciliário, de um familiar que padece de doença renal crónica, por exemplo. 

Este Nobel é sem dúvida um Nobel diferente, e há várias mensagens a retirar. É um Nobel que repõe a credibilidade à Ciência Económica, que nos últimos anos tem sido severamente criticada face à crise dos mercados financeiros. Mostra-nos que modelos matemáticos não são bichos papões. São ferramentas essenciais ao seu exercício. Contudo, estes têm de ser avalidados e testados à luz do comportamento humano, e para este efeito a Economia Experimental oferece as condições ideais. 

Passada uma década sobre o Nobel a Vernon Smith – o pai da Economia Experimental –, em 2012 volta a destacar-se a importância desta área, com o trabalho de Al Roth. Não há como fechar os olhos à evidência. Este Nobel relembra-nos que a Ciência Económica é mais do que a estabilização macroeconómica e crescimento de longo prazo, é uma ciência ao serviço das pessoas para dar respostas a problemas quotidianos com vista à melhoria do bem-estar social. E, quem diria, até salva vidas.

 ECONOMISTA

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
23/10/12

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