23/10/2012

LAURA TYSON



A eliminação do défice 
        de empregos da América 

Os últimos dados sobre o emprego nos Estados Unidos confirmam que a economia norte-mericana continua a recuperar da Grande Recessão de 2008-2009, apesar do abrandamento que ataca as outras nações do G-20. Na verdade, o ritmo do crescimento de empregos no sector privado é muito mais forte durante esta recuperação do que durante a da recessão de 2001 e é comparável à recuperação da recessão de 1990-1991.
Durante os últimos 31 meses, o número de empregos no sector privado aumentou 5,2 milhões e a taxa de desemprego está agora abaixo dos 8% pela primeira vez em quase quatro anos. Mas a taxa de desemprego ainda está mais do que dois pontos percentuais acima do valor que a maior parte dos economistas considera adequado para o longo prazo, quando a economia funciona perto do seu potencial.

Além disso, o número de desempregados de longa duração (há 27 semanas ou mais) é cerca de 40% do total de desempregados – a percentagem mais baixa desde 2009, mas ainda muito maior do que nas recessões ocorridas desde a Grande Depressão e perto do dobro do valor para um mercado de trabalho normal. Portanto o mercado de trabalho dos EUA, embora em recuperação, ainda está longe de onde deveria estar.

Isso acontece em parte porque a perda de emprego durante a Grande Recessão foram muito elevada – duas vezes maior do que nas recessões ocorridas desde a Grande Depressão. Na perspectiva da história económica dos EUA, não é o ritmo do crescimento do emprego no sector privado desde que terminou a recessão de 2008-2009 que é anormal, mas antes a duração e a profundidade da própria recessão.

O declínio económico teve origem numa clara perda de valor dos activos que provocou declínios consideráveis na riqueza das famílias e que obrigou uma dolorosa desalavancagem. De um modo consistente com recuperações de recessões desse tipo, a procura cresceu lentamente, apesar de estímulos fiscais e monetários sem precedentes, e isso explica porque a taxa de desemprego permanece elevada. Na verdade, as empresas citam a incerteza sobre o vigor da procura, e não a incerteza sobre a regulação ou a fiscalidade, como o principal factor para impedir a criação de emprego.

A procura do sector público também contraiu, devido à deterioração dos orçamentos dos governos estaduais e locais. Como resultado, o emprego público, que normalmente aumenta durante as recuperações, tem contribuído de modo importante para o elevado desemprego dos últimos três anos. Apesar de um crescimento modesto nos últimos três meses, o emprego no sector público apresenta 569 mil postos de trabalho abaixo do seu nível de Junho de 2009 – um valor mínimo de 30 anos para a proporção da população civil adulta empregue no sector. De acordo com Cálculos do Projecto Hamilton, se esta proporção estivesse na sua média de 1980-2012 de cerca de 9,6% (na verdade, ultrapassou este valor entre 2001 e 2007), existiriam mais cerca de 1,4 milhões de empregos no sector público e a taxa de desemprego estaria pelos 6,9%.

Relatórios recentes sugerem que existem mais de três milhões de ofertas de emprego por preencher, e cerca dos 49% dos empregadores dizem que têm dificuldade em preencher posições, especialmente nas tecnologias de informação, na engenharia e em ocupações especializadas. Isto alimentou a especulação de que um “desencontro” entre as competências dos trabalhadores e as necessidades dos empregadores constitua um factor que explique significativamente a elevada taxa de desemprego.

Mas não há muitas provas que apoiem este ponto de vista. A relação entre a taxa de desemprego e a taxa de empregos vagos é consistente com os padrões de anteriores recuperações. Nem há algo de incomum acerca da dimensão dos desencontros entre as ofertas de emprego e a disponibilidade de trabalhadores por indústria.

Tais desencontros na indústria aumentam durante as recessões, reflectindo uma maior rotatividade no mercado laboral, à medida que os trabalhadores migram de sectores em contracção para sectores em expansão; mas declinam à medida que a economia recupera. Este padrão também é caracterizador da recuperação actual e dados recentes sugerem que os desencontros entre a procura e a oferta de trabalho por indústria voltaram já aos níveis prévios à recessão.Mas, à medida que a economia dos EUA recupera, a mudança tecnológica acelera, promovendo a procura de mais competências numa altura em que os níveis educacionais da força de trabalho atingiram um patamar. Este é a verdadeira lacuna de competências existente antes da Grande Recessão e que tem vindo a piorar com o tempo.

A lacuna manifesta-se em taxas de desemprego muito mais elevadas para trabalhadores com educação ao nível do ensino secundário do que para trabalhadores com educação universitária, em todos as fases do ciclo económico. A lacuna também se revela na desigualdade significativa – e crescente – entre os rendimentos dos trabalhadores com educação ao nível do ensino secundário e aqueles com um grau universitário ou mais elevado.

O aumento dos rendimentos tem sido especialmente importante para aqueles com graus universitários, enquanto os salários reais dos trabalhadores – especialmente masculinos – com diplomas de ensino secundário desceram acentuadamente. Está a ser cada vez mais difícil para trabalhadores com baixos níveis de educação encontrar empregos bem remunerados em qualquer sector, mesmo com a economia a operar perto da capacidade plena.

Os EUA eram líderes mundiais na taxa de conclusão dos níveis de ensino secundário e universitário durante grande parte do século XX. Hoje estão no meio da lista dos países da OCDE.

Um factor importante para esse declínio relativo tem sido o falhanço do sistema escolar dos EUA em assegurar educação de elevada qualidade para norte-americanos desfavorecidos, principalmente crianças de famílias pobres, minoritárias ou imigrantes. De acordo com o último recenseamento, cerca de um quarto das crianças com menos de seis anos vive em condições de pobreza. Têm menos probabilidade de aceder a programas pré-escolares que as preparem para a escola e maior probabilidade de entrar em escolas com valores mais elevados do rácio alunos/professor e que não conseguem atrair e reter professores qualificados.

Como consequência destes e de outros problemas, o estudante médio do ensino secundário norte-americano recebe uma preparação inadequada em disciplinas centrais como a escrita, a matemática e o raciocínio analítico, o que por sua vez reduz as taxas de admissão e de conclusão no ensino universitário. A experiência dos EUA é consistente com a prova na OCDE que os estudantes provenientes de países com maior desigualdade de rendimentos têm piores resultados em testes académicos. E um estudo recente da McKinsey sugere que a diferença entre as oportunidades educativas e o grau de instrução por escalão de rendimento impõe o equivalente a uma recessão permanente de 3 a 5% do PIB na economia dos EUA.

Para resolver a lacuna de competências, os EUA têm de promover a melhoria do nível educacional dos actuais e futuros trabalhadores. Isso significa investir mais em educação a todos os níveis – em programas educativos no pré-escolar, nas escolas primárias e secundárias, nas universidades comunitárias, nos programas de instrução profissional para empregos específicos em sectores específicos e na ajuda financeira para educação superior. Acima de tudo, significa resolver as disparidades de rendimento nas oportunidades educacionais e no nível educacional conseguido.

 Professora universitária e ex-presidente do conselho de assessores económicos do Presidente dos EUA

Traduzido do inglês por António Chagas/Project Syndicate

IN "PÚBLICO"
17/10/12

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