18/09/2012

JOSÉ MANUEL PUREZA




O mesmo mas mais forte 

Lembram-se do perentório "nem mais tempo nem mais dinheiro"? Estoirou. Desabou exibindo a fragilidade de um castelo de cartas. É o que acontece às mentiras. Não foi a bondade da troika nem um arroubo de consciência de Gaspar que fizeram acrescentar um ano ao "cumprimento das metas" - foi tão-só a força irrecusável do fracasso completo desta receita. Erraram, troika e Governo. E fizeram-no com a leviandade de quem leva um povo inteiro para um laboratório para com ele fazer experiências que - azar - correm todas mal. Ora, o que é ignóbil é que, como o cientista louco diante da enésima explosão das suas delirantes misturas, o Governo e a troika, face à evidência do seu fracasso, ensaiem a irresponsável estratégia de "o mesmo mas mais forte". 

O que o Governo anunciou esta semana ao País é que um ano a mais não servirá para suavizar a agressão à economia mas sim para a acentuar e prolongar. Com o dislate dos cínicos, Passos e Gaspar invocaram em favor da sua estratégia de "o mesmo mas mais forte" um argumento passado (a sua derrota política às mãos do Tribunal Constitucional) e um argumento futuro (o incentivo à criação de emprego). Puro dislate: em ambos o Governo deturpou, inventou, mentiu. E, pelo meio, troçou cinicamente da legalidade constitucional e de nós todos. 

Àquilo que o Tribunal Constitucional condenara por iníquo - o confisco de dois subsídios aos funcionários públicos e aos pensionistas - o Governo acrescentou o confisco de um salário aos trabalhadores do sector privado, através do aumento brutal dos seus descontos para a Segurança Social. O mesmo mas mais forte, portanto. Mas mais forte ainda: o que os trabalhadores descontam a mais, passam os patrões a descontar a menos. O Governo perdeu toda a vergonha e assume, com esta grotesca transferência direta de milhares de milhões de euros do trabalho para o capital, que a sua resposta para a sua condenação por falta de equidade é ainda menos equidade. Cinismo maior era difícil. 

 Tudo para combater o desemprego, ora pois. Como se não fosse claro que esta reengenharia dos descontos para a Segurança Social só pode servir a um pequeno punhado de grandes empresas, as únicas cujo peso do fator trabalho no cômputo global de custos é significativo. Todas as demais - e estas mesmas, em última análise - não terão qualquer margem acrescida para contratar, porque a perda de poder de compra das famílias arrasa o consumo e um consumo destruído destrói as empresas. Perda de salários que fazem perder consumo que faz perder produção que faz perder receitas fiscais que faz perder capacidade de proteção e de promoção social que faz perder o País. 

Tanto delírio experimentalista e tamanha destruição social e económica estão a causar uma erosão muito rápida na base social e política das políticas do Governo e da troika. A evidente vontade do CDS de bater em retirada (num submarino?) e o assinalável número de vozes que, à direita, vem dizer "basta!" são disso sinais inequívocos. Tão inequívocos pelo menos como o desnorte do Governo que não encontrou ninguém com mais credibilidade que Miguel Relvas para vir a público implorar a acalmia das ondas. 

A incompetência do Governo e da troika - patente no desemprego, no crescimento da dívida e do défice e no não "cumprimento das metas" - não é um contratempo. Por estranho que pareça, serem assim incompetentes é a sua estratégia. Na sua obsessão regeneradora, o horizonte almejado nunca se atingirá. E, por isso, haverá sempre mais e mais "medidas" a adotar. O mesmo, pois. Mas cada vez mais forte. 

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS
14/09/12

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