19/09/2012

CARLA HILÁRIO QUEVEDO



 Falência adiada

O discurso da necessidade de nos sacrificarmos quase todos para pagar o buraco gigante de dívidas contraídas pelos responsáveis políticos ao longo de décadas ultrapassou os limites do suportável, com as medidas anunciadas de alegado combate ao desemprego.
As novas medidas estão baseadas numa expectativa fantasiosa de que as empresas vão contratar pessoas porque ‘poupam’ com os cortes de salários e agora na redução da contribuição social. Perante as dificuldades das empresas, tanto públicas como privadas, a ‘poupança’ servirá, nas mais sérias, para preservar os poucos postos de trabalho. Noutros casos, a saudável falência por causa de erros de gestão será adiada à custa dos trabalhadores, chamados a contribuir para a manutenção frágil do seu emprego. Houve um dia em que ‘trabalhar de graça’ era uma piada. Agora ‘pagar para trabalhar’ deixou de ser uma expressão para se tornar uma realidade. E o pior é não resolver nada. 

Elefantes
O anúncio mais divertido da televisão portuguesa é a um produto solenemente chamado Memofante, que ajuda a manter a memória fresquinha. O nome do produto apela à célebre memória de elefante, que os estudos indicam estar presentes nas fêmeas, capazes de reconhecer simpatia, ou nem por isso, em elefantes que não pertencem à sua família. Voltando ao anúncio, nele podemos ver a intervenção benéfica de um elefante em situações do quotidiano em que tipicamente nos esquecemos de códigos, óculos, nomes de pessoas. É especialmente divertida esta parte em que um homem cumprimenta com entusiasmo outro que não faz ideia do seu nome. Lá atrás vemos o elefante com uma tabuleta a dizer ‘Ribeiro’, salvando o cumprimentado de uma situação embaraçosa. Havia escravos na Roma Antiga que tinham a função de lembrar os nomes de outros a políticos. Eram os nomenclatores. Ou os memofantes da época.

Quis saber quem é
Depois de anunciar medidas que já nada têm de austeridade, Pedro Passos Coelho foi assistir a um espectáculo de Paulo de Carvalho. Decidiu assim não mudar um milímetro a sua agenda. Possivelmente assistiu ao espectáculo ‘como cidadão e pai’. O problema é que ‘primeiro-ministro’ não é um fato que se veste e despe consoante se quer. A sua decisão é, por isso, misteriosa. Tentemos perceber. Pode ser um problema de falta de assessoria. Mas entre as várias dezenas de assessores do primeiro-ministro, não haverá ninguém com o mínimo de bom senso? Pode ser um problema de falta de noção do próprio Passos Coelho sobre as consequências dos seus anúncios ao país. É de certeza um problema de falta de habilidade política e capacidade de autopreservação. Passos crê que o país está tão anestesiado e amedrontado que nem presta atenção ao que alguém se encarregará de referir como ‘pormenores’. Lembro que é aí que está o diabo.

Falta de ar
Muitos portugueses têm seguido o conselho dos actuais governantes e têm abandonado o país à procura de uma vida decente. Ao contrário do que aconteceu em gerações anteriores, os novos emigrantes não tencionam voltar a Portugal. Pode ser uma intenção passageira, mas neste momento não vêem nenhuma razão para regressar a um país que simplesmente os enganou e acabou por os mandar embora com todas as letras. Os enganos do crédito fácil, dos 150 mil empregos, da falta de exigência no ensino superior tiveram as consequências a que assistimos: dívidas, desemprego e desespero. Ainda é cedo para sabermos que consequências trará esta vaga de emigrantes qualificados, mas há o risco de os laços de confiança com a pátria se terem quebrado. E sem confiança não há remessas. As pessoas que partem nas actuais circunstâncias não se sentem em dívida para com o país. Vão ter de fazer um esforço para não se deixarem levar pela desilusão. 

Luz ao fundo do túnel
No meio deste ambiente soturno em que vivemos, descobri uma cerveja portuguesa artesanal deliciosa e um pouco cara, chamada Sovina. Não sei quem são os produtores, mas pelo nome, Os Três Cervejeiros, imagino que tenham sido três pessoas a tomar a iniciativa. Provei a Helles, de que gostei imenso. É tão sofisticada que podia ser belga. Ficam a faltar a Amber, a Ipa e a Stout, que prometem ser tão boas como a que experimentei. Infelizmente, ainda há pouca informação no site: www.3cervejeiros.pt. Só sei que são do Porto, que também ensinam a fazer cerveja caseira, têm um link que dá para uma página com uma série de produtos imprescindíveis para fazer a bebida. O texto de introdução para principiantes acaba com a frase convincente: «Se os egípcios, há mais de 4.000 anos, a fabricavam, você também consegue! Experimente!». Os três cervejeiros fizeram um produto com muita qualidade e ainda por cima têm graça. 

IN "SOL"
18/09/12

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