29/09/2012

CARLA COOK

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 Literatura

Esta semana, Mario Draghi, Presidente do Banco Central Europeu, afirmou que o problema dos países europeus que se encontram em crise é resultado “das más políticas dos últimos anos e da total ausência de uma política económica.”
Pouco depois de ouvir estas palavras, andava eu por um Centro Comercial e deparei-me com uma vulgar montra de uma casa comercial sem grande nome, com malinhas de senhora ao módico preço de mil euros cada. Como é que num país em crise como o nosso, em que o ordenado mínimo baixa para menos de 400 euros, em que centenas de pais retiram os filhos dos infantários porque não têm como os pagar, em que centenas de pessoas perdem os empregos… encontramos malas de prêt-à-porter a este preço? Foi então que me ocorreu uma frase de um colega de Economia: quando um país está em crise, há sempre uma pequena franja da população que enriquece muito.
Em Portugal, todos sabemos quem é a “franja”. É aquela a quem apontamos o dedo e, simultaneamente, baixamos a cabeça. Não tem só uma cor política – e nisto Mario Draghi tem razão. Pode Portugal mudar de governo, mas de política de fundo não tem mudado. O cidadão comum faz piadas acerca disto, pondo na internet as frases que Passos Coelho dizia na sua campanha eleitoral e as frases contraditórias que diz agora que é Primeiro Ministro; as promessas de jamais aceitar os pacotes de austeridade negociados entre Sócrates e a troika versus o país retalhado aos bocadinhos e a austeridade cada vez mais apertada. Este é o cidadão comum com sorte, que tem internet e riso para fazer piadas, é aquele que tem força. Há os que já não riem e acham que manifestar-se é utopia; ao falarem de revolução dizem que “o 25 de Abril foi bem sucedido mas foi porque estávamos fartos da Guerra, da Guerra a sério e ninguém gosta de matar e morrer.”
Os espanhóis, tradicionalmente mais ferventes, começaram a manifestar-se com violência antes que Espanha peça qualquer resgate, imputando ao seu também recente governo falta de legitimidade democrática porque “foram enganados” enquanto eleitores.
A Grécia também mudou de Papandreou para Samaras e continuou na escala de cortes económicos e violência nas ruas.
Reconheço razão ao BCE: todos nós enquanto países andamos de salvador em salvador da pátria… para continuarmos nas mesmas políticas de afogamento de nações.
Hoje, ninguém acredita em Portugal. As pessoas têm vergonha de serem portugueses. Dizem “sou português” ao pé de um estrangeiro como se fosse uma fatalidade. Só a já longínqua história dos Descobrimentos os anima, essa lembrança antiga de que já foram grandes. Parece impossível que Portugal tenha começado porque um rapaz chamado Afonso Henriques tenha decidido levantar espada contra a sua poderosa mãe. Hoje, nem a voz se levanta. Toda a gente tem medo e falta de ânimo. Poucos se lembram que todos os poderes são efémeros e que maiores impérios neste mundo já caíram.
Nada melhor, porém, do que ouvir hoje Passos Coelho citando Os Lusíadas como metáfora para o tempo que atravessamos, pois “por pior que seja a tormenta que nos arrasta para trás, temos sempre ventos favoráveis a soprar nas nossas velas.” O Sr. PM esquece o que qualquer professor sabe: que não se pode falar nunca de Literatura a quem não pôde tomar o pequeno-almoço em sua casa.

IN "AÇORIANO ORIENTAL"
28/09/12


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