05/09/2012

ANA CRISTINA PEREIRA


  

Apetece-me 
       dizer um palavrão 

Sabem lá como estarão daqui a seis meses. Ninguém sabe como estará daqui a seis meses. 

Quebrou-se tudo. Tudo é fragmento. Tudo é transitório, incerto,imprevisível.
Não será preciso ler UlrichBeck para perceber que deitámos fora a organização industrial e produzimos a sociedade do risco: tudo se pondera em termos de risco futuro. E agora, que ninguém parece capaz de prever o futuro, qualquer futuro, tudo se resume ao presente do presente.

Todos os dias vejo no Facebook reproduções de frases escritas por um guru a recomendar enterrar o passado, não antecipar o futuro, viver no presente. Quanta meditação será necessária para que tal signifique paz de espírito e não stress provocado pela permanente gestão do risco?
Multiplicam-se as notícias sobre empresas a falir, a dispensar ou a suspender trabalhadores, a reduzir salários. Multiplicam-se as casas à venda, os carros encostados, as famílias a pedir a declaração de insolvência. E o Estado social a recuar ao ponto de haver muito quem já tenha anunciado a sua morte e o pior é que o anúncio da morte do Estado social é já capaz de não ser exagerado.

Famílias trocam dicas de poupança na internet: deixam de ir ao teatro e ao cinema, de comprar livros, revistas e jornais, o que não augura nada de bom em matéria de construção da cidadania; eliminam consumos stand-by, combinam boleias, tiram as bicicletas das garagens, plantam ervas aromáticas nos vasos que põem à janela, o que o ambiente agradece; recuperam a marmita, fazem listas de compras antes de sair de casa, correm atrás das promoções dos supermercados, reaproveitam camisolas velhas para fazer panos de limpeza. Sabem lá como estarão daqui a seis meses. Ninguém sabe como estará daqui a seis meses. O amor pode acabar, a doença pode aparecer, a empresa pode fechar.

Se tudo é transitório, incerto, imprevisível, como apreender o sentido da realidade? Se tudo é transitório, incerto, imprevisível, como definir compromissos? Quem os abraça? Quem confia em quem? É cada um por si? Se é cada um por si, que espaço há para a construção de bem comum, de justiça social, de igualdade de oportunidades?

Não, não será preciso ler os pensadores da praça, mas ajuda. O problema é que estar mais consciente é só estar mais consciente, não é ter mais controlo sobre o que quer que seja (será isto uma citação de Bruno Latour?). Às vezes, apetece-me dizer um palavrão. E digo. Por enquanto, não é proibido. Por enquanto. 


JORNALISTA DO "PÚBLICO"

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
02/09/12

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