Os trabalhos
(mais difíceis)
da troika
A equipa da troika inicia hoje a quinta e mais difícil avaliação ao
programa português de ajustamento. Será o exame que envolve as decisões
mais difíceis, pelos riscos políticos e económicos que envolve. Em
meados de Setembro, poderemos receber novas notícias de mais medidas de
austeridade ainda para este ano. A dimensão depende do que entretanto se
passar com a Grécia
Vamos aos factos. Portugal não vai conseguir
cumprir o défice público projectado para este ano, de 4,5% do PIB, sem
mais medidas. A derrapagem será, no mínimo, da ordem de 1% do PIB, ou
seja, cerca de 1.700 milhões de euros. O "buraco" é totalmente explicado
pela receita fiscal, nomeadamente de IVA, inferior à prevista. Na
última avaliação, quando já se detectavam riscos de derrapagem
orçamental, o líder da missão do FMI
Abebe Selassie manifestou-se favorável à flexibilização do objectivo
para o défice público desde que a derrapagem fosse explicada pelos
estabilizadores automáticos, isto é, por uma quebra da actividade
económica superior à prevista. A economia não afundou mais que o
previsto, mas a estrutura do crescimento, com menos consumo privado e
mais exportações, jogou contra a receita fiscal na última avaliação.
Deixados os factos vamos às expectativas, condicionalismos e estratégias de cada uma das partes.
O
governo espera que a troika leve em consideração esta alteração de
perfil na evolução da economia, menos amigável para a receita fiscal.
Vítor Gaspar está, desde Junho, a preparar os avaliadores, a opinião
pública e os investidores para a elevada probabilidade de não se cumprir
o objectivo do défice público. Contou com o apoio do Eurogrupo
que recomendou à troika que trabalhasse em conjunto com o governo de
Lisboa. E a adopção ou não de mais medidas depende do que for decidido
durante esta avaliação, numa estratégia diametralmente oposta à seguida
há um ano, quando o governo se antecipou à troika. Foi a 30 de Junho de
2011 que, perante a impossibilidade de respeitar o objectivo do défice, Pedro Passos Coelho
anunciou no Parlamento o imposto extraordinário de cerca de metade do
subsídio de Natal. Para o Governo, na altura, esta era uma forma de
mostrar à troika que Portugal não apresentava problemas, dava de
imediato soluções. Uma estratégia que não vai seguir agora, contando com
a colaboração da troika para encontrar uma solução para a derrapagem
deste ano. Ou seja, a solução já não é tão fácil este ano.
Do lado da troika, a atitude que podemos encontrar é muito diferente, caso se trate do FMI ou da Comissão Europeia.
O Fundo é muito mais flexível e, se dependesse apenas dele, não
existiriam mais medidas de austeridade e o objectivo do défice público
seria totalmente flexibilizado. O mesmo já não se pode dizer em relação à
Comissão Europeia. A equipa europeia tem-se mostrado muito mais rígida e
está neste momento politicamente condicionada pelo que se passa na
Grécia e pela opinião pública do norte da Europa. Como explicar que se
flexibiliza os objectivos para Portugal e não se faz o mesmo para os
gregos? Há, claro, argumentos que favorecem um tratamento diferenciado
de Portugal: o governo de Lisboa está a cumprir a maioria das medidas
consagradas no Memorando, o que não acontece com a Grécia; as taxas de
juro da dívida pública portuguesa não subiram com o anúncio da
derrapagem orçamental; os analistas internacionais têm-se manifestado
mais favoráveis à flexibilização do défice público do que a mais
austeridade e, finalmente, viabilizar a subida do défice este ano - ou
seja, dar mais tempo - não exige mais dinheiro da troika. O caos em que
está a Zona Euro, com a Espanha e a Itália a enfrentarem também o espectro da ajuda externa é mais um factor favorável a Portugal que deixou de ter sobre si os holofotes dos media e dos investidores internacionais.
As
decisões vão começar a ser tomadas hoje. Mas dada a dimensão da
derrapagem e os condicionalismos que a Zona Euro enfrenta, o cenário
mais provável é o de metade para cada lado: mais austeridade ainda este
ano com alguma flexibilização do objectivo do défice público.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
27/08/12
.
Sem comentários:
Enviar um comentário