24/08/2012

ELISABETE JOAQUIM



O preço do Federalismo

Mário Monti afirmou recentemente que para garantir a sobrevivência da União Europeia os governos devem ser capazes de dispensar a ligação aos seus parlamentos nacionais.

Monti não se limitou a dar o conselho, deu como exemplo o seu, assumindo que se se tivesse prendido às considerações do parlamento italiano não teria sido possível acatar com as decisões já tomadas em sede europeia. Na entrevista dada ao Spiegel não lemos justificações sobre os critérios que fazem o primeiro-ministro italiano, que anda não recebeu ajuda, colocar os interesses da União acima do seu dever de representatividade nacional - o tecnocrata europeu que subiu ao poder sem passar por eleições limita-se a dizer "Foi-me dada a tarefa".

Nada de novo para os portugueses que viram o ano passado o seu primeiro-ministro demissionário pedir a entrada no País de uma missão técnica da Comissão Europeia a dias de uma campanha legislativa que poderia e deveria ter servido para chamar os portugueses a participar naquele que foi o plano de endividamento assinado em seu nome.

É este o federalismo europeu que, a pretexto da presente crise, se impõe de forma premente: um projecto gerido por tecnocratas em que as soberanias nacionais são encaradas como obstáculos à eficiência da União Europeia.

Se na primeira metade do século XX o federalismo europeu era um projecto essencialmente filosófico, desenhado por intelectuais para espartilhar os nacionalismos que se acreditavam estar na origem das grandes guerras, hoje a sobrevivência do projecto federal europeu é, abertamente, o único critério de eficácia política assumido pela classe governativa. A UE chegou agora a um ponto de confronto directo entre o modelo de governo nacional e o federal: o Euro não sobrevive se o primeiro não ceder a favor do segundo.

Perante este ‘clash' de modelos governativos, a cisão entre os interesses da classe no poder e os interesses da classe governada é cada vez mais evidente. Do Norte ao Sul da Europa crescem movimentos nacionais ou eurocépticos que se sentem reféns de uma política artificialmente centralizada que não são chamados a ratificar. Enquanto isso, a classe governativa menoriza, como Monti, a utilidade das instituições políticas nacionais, ou enfatiza, como Merkel, os benefícios de um cada vez maior poder de intervenção vertical.

Contra as evidências das imperfeições do sistema federal e contra as provas da ineficácia das medidas até agora tomadas para o salvar, a classe política europeia continua no caminho da diluição das representatividades nacionais, com os governados a verem os seus interesses tidos como obsoletos e o seu nível de vida espoliado para pagar a manutenção de uma ideia que não conseguiu nem consegue provar a sua eficiência nem legitimidade.


 Docente de Filosofia

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
23/08/12

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