17/08/2012

ALBERTO GONÇALVES




Azar ao jogo

Na semana passada, constatei aqui o débil currículo das selecções e dos atletas portugueses em competições desportivas internacionais, olímpicas ou não. Estranhamente, alguns leitores imaginaram que eu exigia dessas selecções e desses atletas esforço e vitórias, coisa que nunca me passou pela cabeça. Quando se diz que um triciclo tem três rodas, não se reivindica necessariamente que passe a ter quatro ou dez. O facto de o país ser fraquinho no desporto não me incomoda nem implica que seja fraquinho naquilo que realmente importa, da política à economia, da ciência à indústria, da educação à justiça. Por acaso, Portugal também é deplorável nas áreas citadas, mas estas não beneficiariam muito se a delegação pátria saísse de Londres vergada ao peso das medalhas. Não há ouro, prata ou bronze que compensem o atraso. 

 Perder medalhas não dói nada e não custa nada (excepto subsídios públicos e trocos avulsos). O que custa e dói é ganhá-las, no sentido em que dá um trabalhão a quem as alcança e no sentido em que somos obrigados a sofrer os que delas se aproveitam. Cerca de quinze segundos após uma dupla de remadores chegar ao segundo lugar nos JO, Miguel Relvas mandou divulgar um comunicado eufórico, no qual lembra que "Portugal acaba de registar uma das suas melhores proezas de sempre no campo desportivo, a nível internacional", explica que a medalha de prata "culmina um trabalho profícuo desenvolvido ao longo de anos por atletas e dirigentes federativos para valorizar e prestigiar o desporto português" e espera que o feito "constitua um estímulo suplementar ao fomento da prática desportiva entre os jovens, na certeza de que o desporto, nas suas diversas modalidades, constitui uma exemplar escola de cidadania". 

Dado que a escola do sr. Relvas foi a Lusófona, aliás em registo imensamente mais veloz do que o dos remadores em questão, o comunicado dispensa considerações. De qualquer modo, com ou sem ou o popular ministro maçon (passe a redundância), não saímos disto: da perpétua e fraudulenta ilusão de que os triunfos no estádio (ou, no caso, na água) traduzem a excelência no resto. 

 Se traduzissem, a solitária medalha do remo indiciaria a mediocridade nacional e aconselharia os governantes ao silêncio. Como não traduzem (ver, sff., o palmarés de Irão e Coreia do Norte), a mediocridade continua indiferente aos eventos londrinos. As conquistas desportivas esgotam-se em si mesmas e não são propícias a extrapolações, excepto, claro, às extrapolações da propaganda, que estadistas formados literalmente à pressa usam para entusiasmar pasmados e envergonhar os demais.

Em circunstâncias ideais, acharia certa graça a que os meus compatriotas terminassem os Jogos com cem medalhas e 50 recordes do mundo. Em Portugal, onde o único recorde batido regularmente é o do descaramento, só pensar nisso, ou nas consequências disso na retórica dos políticos, arrepia. Uma medalha já peca por excesso. Dos males, porém, o menor: o nosso absoluto azar ao jogo ainda é a nossa relativa sorte.

 Quarta-feira, 8 de Agosto 
Párias sem página 

 Sendo inevitável a discriminação entre os homens, talvez seja inevitável também que, na era da Internet, a discriminação tenha origem virtual e não real. Um exemplo? O Facebook, de tal modo participado que atrai a desconfiança sobre os escassos excluídos. A desconfiança e, conforme se começa a verificar, não só.

De acordo com a Forbes, diversas empresas americanas passaram a considerar a ausência no Facebook um possível critério de exclusão no momento de admitir novos funcionários. Ao que consta, o raciocínio é o seguinte: quem não possui uma página na "rede" do sr. Zuckerberg provavelmente não possui uma vida digna de ser exposta em público e levanta suspeitas, quiçá, digo eu, de negócios obscuros, pedofilia ou envolvimento em cultos satânicos. Ou pior. A revista alemã Der Taggspiegel dispensa salamaleques e lembra frontalmente que tanto Anders Behring Breivik, o psicopata norueguês, quanto James Holmes, o sujeito que matou uma dúzia de infelizes numa sala de cinema no Colorado, não constavam do Facebook. Logo, será lícito concluir que, mais dia, menos dia, os indivíduos alheios à dita "rede social" desatarão aos tiros em público. No mínimo, os indivíduos em causa não são de fiar: um artigo recente na Slate.com avisa que não se deve namorar com eles, visto que a reticência ao Facebook é sinónimo de reticência em assumir a verdadeira identidade e constitui uma, cito, "bandeira vermelha". Em contrapar-tida, um psicólogo chamado Christopher Moeller afirmou, novamente à Der Taggspiegel, que o Facebook define a capacidade de manter relações sociais saudáveis e confere aos utilizadores um, cito outra vez, "atestado de sanidade".

Recapitulando, se você possui amigos de carne e osso, com os quais se encontra e conversa directamente em casa ou no restaurante, você é um perigo potencial e merece ser um rematado pária, sem companhia, família ou - convém lembrar - emprego, que os pervertidos confundem com trabalho e que as pessoas saudáveis sabem não passar de um pretexto para cirandar adivinhem onde.

Quinta-feira, 9 de Agosto 
Quando os talibã tomaram Cascais 

Vivemos uma época de hipérboles. António Capucho, antigo autarca de Cascais, considera absurdo que se extinga a Fundação Paula Rego, quer porque a dita "não recebe um tostão de incentivos do Estado", quer porque a extinção será uma "selvajaria tão grave como os talibã a deitarem abaixo com tiros de morteiro as estátuas do Buda".

Antes de mais, informo que nada me move contra a sra. Rego, excelente alternativa para quem, por diversos motivos, não possa ou não queira desfrutar das pin-turas de Balthus, o franco-polaco que plagiou a luso-britânica ainda esta não tinha nascido. Dito isto, o dr. Capucho exagera.
 Primeiro, é ligeiramente abusivo arredondar para zero os apoios à Fundação, os quais, segundo a imprensa, chegaram aos 1,2 milhões de euros entre 2008 e 2010. Sobretudo é um bocadinho excessivo misturar no mesmo saco uma mera decisão administrativa e a destruição dos budas, a menos, claro, que os óleos da sra. Rego acabem incinerados em praça (ou praceta) pública. Se o dr. Capucho não aprecia o Governo, saiba que conta comigo. Apenas penso que confundir tolices menores com as piores patifarias da História retira legitimidade às críticas ou, o que é pior, re-lativiza as patifarias. Eu, por exemplo, também não gosto de governos que, apesar da retórica da poupança, eliminam meia dúzia de fundações fundadas no oportunismo e preservam centenas de outras em condições idênticas, mas não acho a decisão equivalente à Grande Marcha do camarada Mao. E não gosto de "personalidades" da "cultura" que, não obstante facturarem fortunas, recorrem sempre que possível ao dinheiro das massas para exibir a criatividade que as massas não alcançam, mas não as acho semelhantes a Charles Manson. E de certeza detesto políticos despeitados por não verem aproveitado o seu imenso génio nas instâncias do poder, mas não os comparo a Trotsky. De agora em diante, comparo-os ao dr. Capucho. ««««««««««««««««««««««««««««««« 


Sábado, 11 de Agosto 

Hole in one

 Deus quer, o homem sonha e a obra nasce, não é? Era, na época em que o Estado e os "fundos" europeus patrocinavam parte dos sonhos e os bancos emprestavam o resto. Em plena crise do crédito, a obra fica a meio. A meio ou, como acontece com o projecto turístico de José Roquette para o Alqueva, a uma fracçãozinha do total.

A história é simples e recorrente. Empresário célebre anuncia investimento desmesurado e absurdo. Estado considera investimento de interesse nacional e atribui-lhe verbas do QREN. Projecto arranca entre fanfarras. Fanfarras sossegam quando motivos de força maior, leia-se a escassez de numerário, impedem a banca de prosseguir o financiamento, o QREN não é suficiente e o empresário não está para arriscar o que é dele. Projecto é interrompido e, atoladas em dívidas, empresas envolvidas abrem processo de insolvência. Dinheiro espatifado perde-se na íntegra. Empresário perde pouco e mantém o compreensível estatuto sem aspas. Alqueva ganha campo de golfe cuja procura talvez não suscite engarrafamentos. Os portugueses não ganham sequer um pedido de desculpas, encolhem os ombros, acusam a sra. Merkel de falta de "solidariedade" e culpam as agências de rating pelo buraco a que descemos. 

 Ar condicionado

 Embora a história da espionagem comunista através dos aparelhos da velhinha FNAC tenha graça, não se percebe o escândalo entre os que acreditam na trama e a indignação entre os que a negam. Ao longo de décadas, o PCP serviu abertamente Brejenev, Khrushchov e Estaline. Mal por mal, Nixon seria uma referência altamente preferível. Ou Zita Seabra pretendeu reabilitar as suas origens ou esqueceu-se daquilo que as suas origens eram. 



IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/08/12


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