24/07/2012

DANI RODRIK


  

Os vencedores 
                (relativos) 
da nova economia mundial 

A economia mundial enfrenta uma incerteza considerável a curto prazo. Será que a zona euro conseguirá resolver os seus problemas e evitar uma dissolução? Será que os Estados Unidos construirão um caminho para um relançamento do crescimento? Será que a China encontrará uma forma de reverter o seu abrandamento económico?
As respostas a estas perguntas irão determinar como é que a economia mundial evoluirá ao longo dos próximos anos. Mas, independentemente da forma como esses desafios imediatos são resolvidos, está claro que a economia mundial está também a entrar numa nova fase difícil a longo prazo – uma fase que será substancialmente menos hospitaleira para o crescimento económico do que possivelmente qualquer outro período, desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Independentemente da forma como irão lidar com as suas dificuldades actuais, a Europa e os EUA sairão da situação com dívidas elevadas, baixas taxas de crescimento e políticas internas contenciosas. Mesmo no melhor cenário, no qual o euro permanece intacto, a Europa ficará atolada na árdua tarefa de reconstruir a sua união desgastada. E, nos EUA, a polarização ideológica entre democratas e republicanos continuará a paralisar a política económica.

De facto, em praticamente todas as economias avançadas, os altos níveis de desigualdade, as tensões na classe média e o envelhecimento da população irão alimentar conflitos políticos num contexto de desemprego e de escassez de recursos fiscais. À medida que estas velhas democracias se concentram cada vez mais nelas próprias, elas tornar-se-ão parceiras menos úteis a nível internacional – menos dispostas a sustentar o sistema de comércio multilateral e mais prontas a responder unilateralmente às políticas económicas, em qualquer lugar suspeito de ser prejudicial aos seus interesses.

Enquanto isso, os grandes mercados emergentes, como a China, a Índia e o Brasil não são susceptíveis de preencher o vazio, uma vez que se manterão empenhados em proteger as suas soberanias nacionais e os seus espaços de manobra. Como resultado, as possibilidades de cooperação mundial, no que diz respeito a questões económicas e outros assuntos, ficarão mais longínquas.

Este é o tipo de ambiente mundial, que diminui o potencial de crescimento de cada país. A aposta segura é que não veremos um retorno do tipo de crescimento que o mundo – especialmente do mundo em desenvolvimento – vivenciou nas duas décadas anteriores à crise financeira. É um ambiente que irá produzir profundas disparidades no desempenho económico em todo o mundo. Alguns países serão muito mais prejudicados do que outros.

Aqueles que serão menos prejudicados irão partilhar três características. Primeiro, não serão sobrecarregados com elevados níveis de dívida pública. Segundo, não estarão excessivamente dependentes da economia mundial e o factor impulsionador dos seus crescimentos económicos serão internos, em vez de externos. Finalmente, serão democracias resistentes.

Ter níveis de dívida pública baixos a moderados é importante, porque os níveis de dívida que atingem os 80-90% do PIB tornam-se num grave empecilho para o crescimento económico. Imobilizam a política fiscal, conduzem a graves distorções no sistema financeiro, originam lutas políticas em assuntos de tributação e incitam conflitos de distribuição dispendiosos. Os governos que estão preocupados com a redução da dívida, não são susceptíveis de realizarem os investimentos necessários para a mudança estrutural a longo prazo. Com poucas excepções (como a Austrália e a Nova Zelândia), a grande maioria das economias avançadas do mundo está ou estará em breve nesta categoria.

Muitas economias de mercado emergentes, tais como o Brasil e a Turquia, conseguiram controlar o crescimento da dívida pública, desta vez. Mas não impediram uma orgia de empréstimos nos seus sectores privados. Uma vez que as dívidas privadas têm maneira de se transformarem em passivos públicos, um baixo nível do fardo da dívida pública pode, na verdade, não dar a estes países a almofada que eles julgam ter.

Os países que dependem excessivamente dos mercados mundiais e das finanças globais para alimentarem os seus crescimentos económicos também ficarão em desvantagem. Uma economia mundial frágil não será hospitaleira para o grande número de devedores estrangeiros em termos líquidos (ou o grande número de credores estrangeiros em termos líquidos). Os países com elevados défices da balança de transacções correntes (como é o caso da Turquia) permanecerão reféns do sentimento nervoso do mercado. Os que têm elevados excedentes (como é o caso da China) estarão sob crescente pressão – incluindo a ameaça de retaliação – para controlarem as suas políticas “mercantilistas”.O crescimento, induzido pela procura interna, será uma estratégia mais segura do que o crescimento induzido pelas exportações. Isso significa que os países com um grande mercado interno e com uma classe média próspera terão uma vantagem importante.

Finalmente, as democracias funcionarão melhor, porque têm os mecanismos institucionalizados para a gestão de conflitos, que os regimes autoritários não têm. As democracias semelhantes à da Índia podem, às vezes, parecer caminhar muito lentamente e terem predisposição para o imobilismo. Mas elas fornecem espaços de troca de opiniões, de cooperação e de "dar e receber" entre grupos sociais adversos, que são cruciais nos momentos de turbulência e de confrontos.

Na ausência de tais instituições, o conflito distributivo pode facilmente passar a protestos, tumultos e desordem civil. É neste ponto que a democracia da Índia e da África do Sul tem vantagem sobre a democracia da China ou da Rússia. Os países que têm caído nas garras de líderes autocráticos – por exemplo, a Argentina e a Turquia – estão também, cada vez mais, em desvantagem.

Um importante indicador da magnitude dos desafios da nova economia mundial é o facto de haver tão poucos países que satisfaçam os três requisitos. De facto, algumas das mais espectaculares histórias de sucesso económico do nosso tempo – da China em particular – não cumpre mais do que um. Serão tempos difíceis para todos. Mas alguns – creio que o Brasil, a Índia e a Coreia do Sul – estarão em melhor posição do que os restantes.


Professor da Universidade de Harvard

Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate

IN "PÚBLICO"
23/07/12

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