16/07/2012

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  ONTEM NO
"PÚBLICO"

Como a socialite do regime russo 
se virou contra Putin

 Durante quase uma década Ksenia Sobtchak foi uma das mais glamorosas apoiantes do Presidente russo. Com dinheiro, fama e as ligações certas – e a alcunha de "Paris Hilton da Rússia" – era uma celebridade próxima do Kremlin, até se converter numa das vozes mais críticas nos protestos ao regime.

Ksenia Sobtchak dispensa apresentações na Rússia. É estrela de programas de enorme popularidade, tem quase meio milhão de seguidores no Twitter e é provavelmente a figura pública mais conhecida no país a seguir ao Presidente Vladimir Putin e ao primeiro-ministro Dmitri Medvedev – ela diz que assim é. Mas quando se juntou aos 80 mil manifestantes que protestavam em Moscovo contra o Governo, na véspera de Natal, fez questão de dizer: "Sou Ksenia Sobtchak, tenho algo a perder e estou aqui mesmo assim."

Foi acolhida com vaias e duros insultos, que pouco mais a deixaram dizer naquele dia, por uma multidão de russos que não esquecem que ela é a epítome dos privilegiados herdeiros da era soviética. E, para mais, filha do antigo mentor de Putin, o antigo presidente da Câmara de São Petersburgo, Anatoli Sobtchak, e de uma senadora da câmara alta do Parlamento, Liudmila Narusova, que permanece acérrima leal à "democracia soberana" do regime. Dão, por isso, pouco crédito à sua conversão, mesmo tendo em conta o pedigree liberal recebido do pai, uma das figuras mais aclamadas da resistência à tentativa de golpe de 1991 contra a perestroika.

Ksenia, com 30 anos e conhecida como a "Paris Hilton da Rússia", passara afinal a última década em festas luxuosas, de stilletos e longos casacos de vison, e poses "vulgares" para as revistas cor-de-rosa; até mesmo para as capas da Playboy e Maxim russas. A sua fortuna pessoal está avaliada pela Forbes em 2,8 milhões de dólares, num pequeno império empresarial que incluiu uma marca de roupa, um perfume (Como Casar com um Milionário – e ela namorou uns quantos) e um dos restaurantes mais elitistas de Moscovo.

Passados porém o choque e a surpresa de ver uma filha do regime a virar-se contra o Kremlin – e conforme Ksenia endureceu cada vez mais o tom crítico –, por alturas de Março, em novo protesto anti-Governo, as vaias aos seus discursos já não eram tão sonoras. Em Maio, na manifestação que antecedeu a tomada de posse de Putin, regressado ao poder após o intervalo de quatro anos imposto pela Constituição, foi até aplaudida. E também detida, por algumas horas, junto com outras figuras da velha e nova oposição.

"A mãezinha pode sempre telefonar a Putin", ironizou então o veterano oposicionista e antigo primeiro-ministro Boris Nemtsov. Devido às ligações muito próximas da família com o autocrático Presidente – Putin, numa das suas raras exibições públicas de emoção, chorou no funeral de Anatoli Sobtchak –, assumira-se que Ksenia gozava de "alguma protecção", nota o editorialista Brian Whitmore, da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade. "Mas essa presunção está a ser desmentida", sustenta.

A 11 de Junho oito agentes do Comité de Investigação bateram à porta de Ksenia, uns minutos antes das oito da manhã, e vasculharam-lhe o apartamento durante seis horas. Só dali saíram depois de encontrarem e confiscarem envelopes com dinheiro: quase um milhão em euros e meio milhão em dólares.

Alguns armados, todos encapuzados, viraram-lhe os armários do avesso, ligaram-lhe o computador e leram em voz alta mensagens antigas trocadas com ex-amantes à frente do novo namorado, Ilia Iashin, um dos líderes do Partido Popular da Liberdade, envolvido na organização dos protestos anti-Governo.

E antes de saírem ainda lhe disseram: "Se tens casado com um bom homem dos FSB [agência de serviços secretos que substituiu o KGB] nada disto acontecia." Duas horas mais tarde, todos os pormenores da busca eram divulgados no website do tablóide pró-regime Life News, incluindo a descrição da "sugestiva" roupa interior que Ksenia vestia quando abriu a porta aos agentes.

Foi interrogada já duas vezes, dada como suspeita de evasão fiscal sobre o dinheiro encontrado na rusga, com fontes anónimas do Ministério do Interior a revelarem para os mediacontrolados pelo Estado que Ksenia declarou nos últimos dois anos rendimentos que pouco ultrapassaram os 200 mil dólares. Ela nega estas acusações, frisa que há vários anos que declara rendimentos entre um e dois milhões de euros e mantém que as suas contas "estão limpas"."Seja a prisão ou o exílio, [as autoridades] estão decididas a silenciar-me", denunciou Ksenia numa entrevista ao New York Times. 

Na mesma manhã em que o seu apartamento foi vasculhado, as casas de outros líderes da oposição foram também objecto de buscas, mas os observadores entendem que ela é que era "o alvo" da operação. "A única pessoa que Putin quis castigar naquele dia foi Ksenia Sobtchak. Não foi uma coisa política. Foi pessoal. Putin não conhece os outros líderes dos protestos e, por isso, não tem razão nenhuma para se sentir ofendido por eles. Mas parece acreditar que tem razões para se sentir ofendido com Ksenia Sobtchak", defendeu o analista político Stanislav Belkovski, no diário Moskovski Komsomolets.

Putin não está de facto a dar nenhuns sinais de misericórdia para com a filha do seu antigo professor de Direito e mentor político, e, sustentam os kremlinlogistas, dificilmente o fará. Para Putin, que se mostrara relativamente tolerante com a oposição até à tomada de posse, Ksenia cometeu o maior crime possível: é uma aliada que o traiu.

O Presidente, observou a jovem numa entrevista ao Moscow Times, "é o tipo de pessoa que divide os outros entre os que estão com ele e os que estão contra ele. Respeito-o muito, por tudo o que fez antes pela Rússia, mas creio que ele acha que eu deixei de "estar com ele" e, agora, estou a sentir as consequências. E não há nada que eu possa fazer agora. A máquina da repressão neste país só pode ser iniciada, jamais parada – nem mesmo por Putin".

O que mais distingue Ksenia Sobtchak e o que a faz ser amada e odiada é o sucesso como apresentadora de alguns dos mais polémicos e mais populares programas de entretenimento na televisão nacional russa: desde o Top Model Po-Russki, inspirado no programa de moda da americana Tyra Banks, ao Dom-2, um reality show que, segundo um crítico britânico de televisão, "consegue fazer o Big Brother parecer um modelo de bom gosto e humanidade". Alguns deputados fizeram mesmo uma petição para acabar com aquele programa e acusaram Ksenia de "proxenetismo".

Ela, obreira única da sua imagem pública, revelou-se nos últimos meses envergonhada com o passado recente e chegou a lamentar não poder romper o contrato que a ligava àquele programa. Já não precisa de o fazer: acabou por ser despedida de todos os contratos na televisão nacional após o raide policial à sua casa.

Era já, entretanto, também uma das grandes estrelas do canal de cabo e Internet TV-Rain, onde tem dois programas políticos: o magazine Sobtchak Live, em que apanha políticos "em flagrante" (como o antigo líder da organização de juventude pró-Putin Vasili Iakemenko a almoçar num restaurante de luxo, ou a ministra da Agricultura com uma mala Hermès Birkin de 25 mil dólares no braço) e o talk show Gosdep-2 ao qual o embaixador norte-americano, recém-chegado a Moscovo, se ofereceu prontamente a ir para "desmistificar alguns mitos".

Este último programa chegou a estar na televisão nacional, no canal que é a versão russa da MTV, mas acabou cancelado logo após o primeiro episódio, em Fevereiro, no qual Ksenia entrevistou o popular oposicionista Alexei Navalni.

Para muitas das figuras de topo da oposição russa – uma elite também, como nos tempos soviéticos, mas intelectual –, Ksenia Sobtchak ainda não mereceu um lugar entre eles, apesar de ter já mostrado estar disposta a usar todos os seus recursos. Muitos já a instaram a "distanciar-se" do movimento de contestação no país que ganhou fôlego com as eleições legislativas de Dezembro, vencidas pelo partido de Putin e denunciadas pela oposição como fraudulentas."Percebo os receios que têm. Vêem em mim uma ameaça, temem que eu dê má imagem à oposição. E talvez tenham razão... Mas não posso mudar o que fiz no passado", nota Ksenia ao New York Times. Nem o percurso de celebridade da televisão, nem o de socialite escandalosa, nos anos que se seguiram à morte do pai, em que abandonou os estudos de Ciência Política.

O blogger russo Anton Nossik, um dos mais influentes no país, sublinha que a jovem Sobtchak não deve ser subestimada: "Aquilo que ela está a fazer pode vir a relevar-se muito mais importante do que o que é feito por qualquer outro opositor. Putin tem os poderes do Kremlin, claro. Mas ela tem algo que ele não tem: os fãs".

E domina com mestria o instrumento mais poderoso da oposição russa: a Internet, que na Rússia tem 66 milhões de utilizadores por dia, a maior população web de um país em toda a Europa, e constitui o grande refúgio da kreativni class (a classe criativa), a geração que entrou na idade adulta na primeira década do século XXI. Os vídeos que Ksenia protagonizou em paródia à campanha presidencial de Putin - onde aparece a elogiar o regime com as mãos atadas e uma arma apontada à cabeça por um homem encapuzado - foram vistos na web mais de dois milhões de vezes.

Diz que o "ponto sem retorno", o momento em que o sentimento de lealdade ao regime se quebrou e se converteu à oposição, foi o anúncio feito em Outubro por Putin e Medvedev de que iriam voltar a trocar papéis. Foi isto que a fez abraçar o combate às "falhas do regime": a perpetuação no poder, a corrupção, o estado de polícia, a ausência de liberdade de imprensa.

"Eu tenho dinheiro, os shows na televisão, sou popular. Mas a certa altura pensei que tudo aquilo era apenas para mim própria. Estou envolvida em alguns projectos de beneficência, mas isso não chega, só serve para ganhar mais popularidade. E quando os protestos começaram a surgir vi que tinha finalmente uma oportunidade para pôr toda a minha popularidade ao serviço da causa certa. Sou a única líder da oposição que pode falar para uma audiência de massas", defende Ksenia em entrevista à revista Harper"s Bazar.

Mas não quer que a vejam como política, diz não ter tais ambições, "pelo menos para já", e pede que não a descrevam como "revolucionária". "Nem me retratem como uma espécie de cavalo de Tróia, por favor", pediu ao New York Times. "Sou jornalista de política", afirma. "Idealmente uma jornalista com uma carreira que seja como a de Larry King. Sei que é difícil imaginar alguém que apresentou um programa de moda e é capaz também de ter discussões sobre política. Mas é disso mesmo que tenho orgulho: ser a Tyra Banks é bom e ser o Larry King é bom, mas melhor ainda que tudo isso é ser a Tyra Banks e o Larry King ao mesmo tempo.


* A promiscuidade entre a comunicação social e o poder político não dá bom resultado, Portugal já tem alguns exemplos.
Agora na Rússia fia mais fino, porque enfrentar o ex-director do KGB, eleito "democráticamente" para presidente do país, mesmo que seja personagem do show bizz, dá direito a umas amolgadelas.

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