15/07/2012

20- VULTOS DA CULTURA DA TERCEIRA REPÚBLICA »»» bernardo santareno




 Bernardo Santareno, pseudónimo literário de António Martinho do Rosário (Santarém, 19 de Novembro de 1920 — Oeiras, 29 de Agosto de 1980) é considerado o maior dramaturgo português do século XX.


Vida 
Bernardo Santareno nasceu em 1920, em Santarém, no Ribatejo, filho de Maria Ventura Lavareda e de Joaquim Martinho do Rosário. Estudou no Liceu Nacional de Sá da Bandeira até 1939, em Santarém, após o que frequentou os cursos preparatórios para a Faculdade de Medicina, na Universidade de Lisboa. Em 1945 transferiu-se para a Universidade de Coimbra, onde se licenciou em medicina psiquiátrica em 1950.

Em 1957 e 1958, a bordo dos navios David Melgueiro, Senhora do Mar e do navio-hospital Gil Eanes, acompanhou as campanhas de pesca do bacalhau como médico. 
A sua experiência no mar serviria de inspiração a muitas das suas obras, como O Lugre, A Promessa e o volume de narrativas Nos Mares do Fim do Mundo. Intelectual de esquerda, teve várias vezes problemas com o regime salazarista, tendo a sua peça 
A Promessa sido retirada de cena após a estreia por pressão da Igreja Católica. Depois da revolução de 1974 milita activamente no partido MDP/CDE e no Movimento Unitário dos Trabalhadores Intelectuais.
 Foi distinguido por três vezes com o Prémio Imprensa. Morreu, em Carnaxide, Oeiras, em 1980, com 59 anos de idade, e está sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Santareno deixou inédito um dos seus mais vigorosos dramas, O Punho, cuja acção se localiza no quadro revolucionário da Reforma Agrária, em terras alentejanas. 

A sua obra dramática completa está publicada em quatro volumes. Parte do espólio de Bernardo Santareno encontra-se no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea da Biblioteca Nacional de Portugal.

Cronologia 
-1920 - A 19 de Novembro nasce em Santarém 
-1932 - Entra no Liceu Nacional de Sá da Bandeira, em Santarém, cujo curso termina no ano lectivo -1938/39. Provavelmente, como admitiu em entrevista, escreve a sua primeira tentativa de escrita teatral, a peça “Olga, a Princesa Russa”, interpretada por sua prima, com a colaboração de familiares e amigos -1937/38 - Escreve o “episódio dramático”: “Este homem vai morrer” 

-1939 - Entra nos Preparatórios para a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa 
-1944/1945 - Escreve as peças “A Renúncia” e a “A Confissão” 
 -1945 - Transferência para a Universidade de Coimbra onde participa em recitais de poesia 
-1947 - Morte de sua mãe Maria Ventura Lavareda 
-1950 - Conclui o Curso de Medicina em Coimbra 
-1954 - Publica o primeiro livro de poesia “A Morte na Raiz” 
-1955 - Publica o segundo livro e poesia “Romances do Mar” 
-1957 - A 1 de Abril, como médico, embarca para a pesca do bacalhau no envio “David Melgueiro” Publica o terceiro livro de poesia “Os Olhos da Víbora” e o 1º volume “Teatro” com as peças “A Promessa”, “O Bailarino” e a “Excomungada” ( Mestre António Pedro afirma que se estava perante “o maior dramaturgo português e um dos casos mais sério de teatro moderno em qualquer país” e, no Teatro “ Experimental do Porto “TEP, dirige “A Promessa” que tem no elenco a actriz Alda Rodrigues. A peça, estreada a 23 de Novembro de 1957, foi retirada de cena, passados poucos dias, devido a pressões da Igreja Católica). 
 Dedicatória de Bernardo Santareno 
no Livro dos Quartanistas de Medicina, 1949
O desenho é de TOSSAN

-1958 - Faz segunda viagem para a pesca do bacalhau, no “Senhora do Mar” e presta serviço no navio hospital “Gil Eanes” 
-1959 - Publica “O Lugre” e “O Crime da Aldeia Velha” e o livro de crónicas “Nos mares do fim do mundo” 
-A 16 de Novembro, vai ao Círculo Cultural Scalabitano fazer uma conferência sobre “Caminhos possíveis para um teatro português moderno” 
-1960 - Publica “António Marinheiro, O Édipo de Alfama” Começa a trabalhar no Instituto de Orientação Profissional 
-1961 - Publica “Os Anjos e O Sangue”, “O Duelo”, “O Pecado de João Agonia”, “Irmã Natividade” e ainda “O Prisioneiro “ (Correio do Ribatejo) 
-1962 - Publica “Anunciação” e é distinguido com o Prémio da Imprensa 
-1963 - A 11 de Junho inicia funções na Fundação Sain, onde trabalha com Fernanda Lapa e permanece até à data da sua morte. É de novo distinguido com o Prémio da Imprensa 
-1966 - Publica “O Judeu” Morte do seu pai Joaquim Martinho do Rosário 
-1967 - Publica “O Inferno” Volta a ser distinguido com o Prémio da Imprensa 
-1969 - Publica “A Traição do Padre Martinho 
-1970 - A 11 de Março, a Companhia do Teatro Nacional vem representar “O Pecado de João Agonia” a Santarém, ao Teatro Rosa Damasceno 
-1974 - Publica “Português, Escritor, 45 Anos de Idade (que admitiu ser a sua última peça” Desenvolve intensa militância política e cultural integrando o MDP/CDE e fazendo parte do Movimento Unitário dos Trabalhadores Intelectuais (MUTI) e da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) 
-1975 - Escreve três Quadros de Revista, “A Guerra Santa”, “O Milagre das Lágrimas”, interpretados por Ivone Silva, e “Os Vendedores de Esperança” interpretados por Vera Mónica e Joel Branco, em “P’ra Trás Mija A Burra” (parceria com César de Oliveira, Rogério Bracinha e Ary dos Santos), estreada a 31 de Maio de 1975, no teatro ABC, e outro texto não utilizado, “O Senhor Silva” (mais tarde, “Monsanto”), incluído no espectáculo colectivo “Ao Qu ’Isto Chegou” do grupo A Barraca”, 
 -1977 1979 - Publica “Os Marginais e a Revolução” (“Restos”, “A Confissão”, “Monsanto”, “Vida Breve em Três Fotografias”) 
-1980 - Conclui a redacção de “O Punho”, que se manteve inédita até 1987 
-A 29 de Agosto, morre em Carnaxide/Oeiras, tendo sido sepultado no Cemitério dos Prazeres em Lisboa 1990 - É criado em Santarém o Centro Dramático Bernardo Santareno cujo espectáculo de estreia “ António” foi uma montagem de textos das suas peças.

 A OBRA

POESIA
Médico de profissão, formado pela Universidade de Coimbra, revelou-se como autor de teatro apenas depois de publicar três livros de poesia 
-1954 - Morte na Raiz, 
-1955 - Romances do Mar, 
-1957 - Os Olhos da Víbora, onde se enunciam alguns temas e motivos dominantes da sua obra dramática.

TEATRO
Reconhecido como o mais pujante dramaturgo português do século XX, a sua obra reparte-se por dois ciclos, menos distanciados um do outro do que a evolução estética e ideológica do autor terá feito supôr, já que as peças compreendidas em qualquer deles respondem à mesma questão essencial: a reivindicação feroz do direito à diferença e do respeito pela liberdade e a dignidade do homem face a todas as formas de opressão, a luta contra todo o tipo de discriminação, política, racial, económica, sexual ou outra. 

Esta temática exprime-se, nas peças integrantes do primeiro ciclo (A Promessa, O Bailarino e A Excomungada, publicadas conjuntamente em 1957; O Lugre e O Crime de Aldeia Velha, 1959; António Marinheiro ou o Édipo de Alfama, 1960; Os Anjos e o Sangue, O Duelo e O Pecado de João Agonia, 1961; Anunciação, 1962), através de um naturalismo poético apoiado numa linguagem extremamente plástica e coloquial e estruturado sobre uma acção de ritmo ofegante que atinge, nas cenas finais, um clima de trágico paroxismo. A partir de 1966, com a "narrativa dramática" O Judeu, que retrata o calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado pelo Santo Ofício, o autor plasma as suas criações no molde do teatro épico de matriz brechteana, adaptando-o ao seu estilo próprio, e assume uma posição de crescente intervencionismo que irá retardar até à queda do regime fascista a representação dessa e das suas peças seguintes: 
 O Inferno, baseada na história dos "amantes diabólicos de Chester" (1967), A Traição do Padre Martinho (1969) e Português, Escritor, 45 Anos de Idade (1974), drama carregado de notações autobiográficas e que seria o primeiro original português a estrear-se depois de restaurada a ordem democrática no país. 

Em 1979, depois de uma curta incursão no teatro de revista, colaborando com César de Oliveira, Rogério Bracinha e Ary dos Santos na autoria do texto da peça de Sérgio de Azevedo, P'ra Trás Mija a Burra (1975), publica quatro peças em um acto sob o título genérico Os Marginais e a Revolução (Restos, A Confissão, Monsanto e Vida Breve em Três Fotografias), em que combina elementos das duas fases da sua obra, inserindo a problemática sexual das primeiras peças no âmbito mais vasto de um convulsivo processo social que é a própria substância das segundas. Santareno, ele próprio um "homossexual discreto" aborda a temática da homossexualidade em muitas das suas peças, antevendo a importância que esta questão — e outras relacionadas com os direitos e as liberdades individuais face aos preconceitos morais e sociais da época, como o adultério, a virgindade, o papel da mulher no casamento, a moral religiosa, e outros — viriam a ter num futuro mais ou menos próximo.

 A homossexualidade desempenha papel central no drama de algumas das suas obras, como em O pecado de João Agonia, em que o "pecado" é a orientação sexual de João, ou em Vida Breve em Três Fotografias, em que prostituição masculina é o ponto focal.

PROSA
 Publicou em 1959 um volume de narrativas, Nos Mares do Fim do Mundo, fruto da sua experiência como médico da frota bacalhoeira, experiência que dramaticamente transpôs em O Lugre.

BIBLIOGRAFIA

Poesia 
-A Morte na Raiz (1954) 
-Romances do Mar (1955) 
-Os Olhos da Víbora (1957) 

Teatro 
-A Promessa (1957) 
-O Bailarino e a Excomungada (1957) 
-O Lugre (1959) 
-O Crime da Aldeia Velha (1959) 
-António Marinheiro ou o Édipo de Alfama (1960) 
- Os Anjos e o Sangue (1961) 
-O Duelo (1961) 
-O Pecado de João Agonia (1961) 
-Anunciação (1962) 
-O Judeu (1966) 
-O Inferno (1967) 
-A Traição do Padre Martinho (1969) 
-Português, Escritor, 45 Anos de Idade (1974) 
-Os Marginais e a Revolução (“Restos”, “A Confissão”, “Monsanto”, “Vida Breve em Três Fotografias”) (1979) 
-O Punho (publicado postumamente em 1987)

A OBRA "O JUDEU" 
O Judeu é uma narrativa dramática em 3 actos, publicada em 1966 e estreada em 1981 no D. Maria II, com encenação de Rogério Paulo. Generalizadamente considerada como uma obra maior de todo o teatro português, retrata o calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado pelo Santo Ofício em 1739. 
 António José da Silva, autor de comédias e óperas, nasceu em 1705 e ganhou popularidade com o teatro de bonifrates, uma imitação jocosa da ópera italiana muito popular na época. O carácter satírico das suas peças irritou um Santo Ofício dedicado a combater o Iluminismo e o racionalismo com autos de fé, aos quais o povo fantizado assistia como a um espetáculo. 
A peça começa com um António José da Silva, filho de judeus e cristão-novo, com 21 anos de idade e estudante de Direito, a viver com receio de ser torturado e encarcerado pela Inquisição, algo que acontece logo no início da obra, com um auto-de-fé, onde o protagonista, sua mãe, Lourença Coutinho, e outras pessoas ouvem o seu julgamento e os insultos do povo. Será um auto de fé no qual destaca a retórica manipulatória do sermão do sacerdote convidado. 
Esta manipulação e intolerância caracterizam um Portugal obscurantista, o qual, ao longo da peça, será ironizado e criticado pelo Cavaleiro de Oliveira, um escritor português que se refugiara no estrangeiro para fugir à Inquisição e que tem a função de narrador-comentador. 
 Manuscrito da ópera “Esopaida ou a vida de Esopo”,
representada no Teatro do Bairro Alto em 1734.
de António José da Silva 

Esta personagem estabelece a ligação com o público e até invoca diretamente o público português do momento como "sombras fugidias da esperança e do temor". O Cavaleiro defende constantemente a inocência de António e critica a situação do país: “Que Portugal seja um relógio, em muitos anos atrasado da hora que segue a Europa civilizada […] Quando toda a Europa esquecendo vai já o repugnante pesadelo dos autos-de-fé, quando mesmo a vizinha Espanha cuida de os espaçar e esconder…Portugal lança-os aos olhos horrorizados do mundo […] Protesto! Porque à Inquisição se deve o empobrecimento do Reino; porque, para subsistir, o Santo Ofício inventa judeus como outros fabricam moeda…!” O carácter de processo, assim como os jogos de luz e sombra e o recurso a gravações e projeções pretendem produzir um efeito de distanciação do público, seguindo a matriz do teatro épico (cf. também este link) de Bertolt Brecht. A intenção é mostrar a proximidade entre os valores e as crenças do tempo dos autos de fé e aqueles da sociedade do Estado Novo, o que sublinham as semelhanças físicas e linguísticas entre Salazar e algumas personagens, como o Inquisidor-Mor, a presença da PIDE, representada pelo Estudante Pálido ou o presságio do Holocausto através do sonho profético de Lourença, mãe de António José. 

Gente, nº 50, 22-28 Outubro, 1974 - 15


Quando o Estudante Pálido fita António José da Silva de um forma cruel e intensa, causando-lhe terror e insegurança, o Cavaleiro de Oliveira traça uma comparação indirecta entre o clima de terror e medo da Inquisição e da repressão salazarista: "(Com desgosto e revolta), Medo. O mesmo medo que enruga a mais pura alegria, que gera cobras na cama dos amantes, que deita neve nos mais negros cabelos, que seca o leite no peito das mães… No meu país quem governa é o medo! Os olhos e os ouvidos do medo crescem e multiplicam-se por toda a parte: Nem o pai, nem a mãe, nem a esposa,nem o irmão servem de porto abrigado; armadilhas de traição eles podem ser também. 

Em Portugal, as varejeiras do medo por toda a banda voam e em todas as cousas, vivas e mortas, de imprevisto pousam. Muitas, muitíssimas são; sem conto, realmente. As nojentas, as ardilosas, as pestíferas varejeiras do medo! (Aponta enérgico para o sítio do palco onde o Estudante Pálido, meio oculto entre as pregas da cortina de fundo, aparece espiando o Judeu:) Espião miserável, varejeira maldita!! (O Estudante Pálido, como uma sombra, logo desaparece.) Conhecem-se pelo fedor a podre, pela luz assassina dos olhos… (Levanta-se com ímpeto; escarninho, desesperado:) Na Europa civilizada, Portugal é a fortaleza do Medo; espiões e polícias, os seus alicerces e guarda!" No final da peça, depois da imolação de António José pelo fogo, o Cavaleiro de Oliveira grita «Iluminai o Povo de Portugal!». Ao reclamar que só um povo esclarecido será capaz de combater as atrocidades que se repetem ao longo dos tempos, o Cavaleiro de Oliveira culmina a preocupação didática da peça. 


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