03/06/2012

OLGA ESPERANÇA


  
 Facturar faz o país avançar", ou não


O IVA é um imposto de matriz comunitária e a sua aplicação deveria ser uniforme nos diversos Estados-membros. 

Já dizia a anterior ministra das finanças que "Facturar faz o país avançar", ao referir-se à formalidade sobre a qual assenta o mecanismo de funcionamento do IVA, imposto que representa actualmente quase metade do total da receita fiscal em Portugal. 

O IVA é um imposto plurifásico, que se aplica em todas as fases do circuito económico mas que visa somente tributar o consumo, baseando-se no método do crédito do imposto: cada operador económico entrega ao Estado a diferença entre o imposto liquidado (cobrado aos seus clientes) e o imposto suportado (que por ele foi pago aos seus fornecedores). Por isso se diz que para os operadores económicos o IVA é um imposto neutro. 

No mecanismo de funcionamento do IVA, as facturas assumem um papel fundamental, na medida em que são, por um lado, o documento de suporte à liquidação do IVA e, por outro, incorporam um direito de crédito sobre o Estado. 

Neste contexto, e por forma a garantir a cobrança exacta do IVA e para evitar a fraude, a Directiva do IVA (Directiva 2006/112/CE) prevê que os Estados-membros imponham regras para a emissão das facturas e condicionem o direito à dedução do IVA suportado à existência de factura válida. 

Porém, e conforme já decidido por diversas vezes pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), "o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução do imposto pago a montante seja concedida se os requisitos substanciais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais". 

Ora, tratando-se o IVA de um imposto de matriz comunitária, a sua aplicação deveria ser uniforme nos diversos Estados-membros, para a qual contribui necessariamente a jurisprudência daquele Tribunal. 

Por esse motivo, em países como o Reino Unido, a Alemanha ou a Holanda, as autoridades fiscais locais têm o procedimento de, na sequência das decisões do TJUE, emitirem notas de informação aos contribuintes sobre as decisões daquele Tribunal, chegando inclusivamente a alterar entendimentos prévios e a comunicar aos contribuintes a possibilidade de estes recuperarem IVA de períodos anteriores. 

 Por cá, a concretização da jurisprudência comunitária continua bastante aquém do desejável, designadamente num contexto de mercado europeu global no qual o nosso país apresenta, como é demais conhecido, uma desvantagem competitiva significativa na área da fiscalidade. 

Em concreto, e no que concerne ao direito à dedução do IVA, que é o princípio fundamental do sistema comum do IVA, Portugal continua a desrespeitar o normativo e a jurisprudência comunitária, impondo limitações no direito à dedução manifestamente excessivas, chegando, espante-se!, a limitar o direito à dedução em situações cuja factura não inclui IVA (tendo o imposto sido autoliquidado pelo contribuinte). 

É indiscutível que as facturas são uma peça fundamental de controlo do IVA, mas a apreciação da sua validade na determinação do direito à dedução não pode ser efectuada de forma cega, em desrespeito pelo princípio fundamental do sistema comum do IVA e criando, no limite, situações de enriquecimento do Estado sempre que se comprova que o imposto em causa foi entregue pelo fornecedor nos Cofres do Estado. 

Na actual conjuntura económica e financeira, em que se assiste à diminuição do investimento estrangeiro e ao encerramento diário das subsidiárias e sucursais em Portugal, era desejável que, pelo menos em matéria de IVA, os operadores portugueses estivessem em pé de igualdade com os seus concorrentes dos restantes Estados-membros. 


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" 
31/05/12 

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